Sentado na frente de casa, Elissandro Maurente enxerga ao longe a chaminé fumacenta que por três gerações representou o sustento da família. O que antes simbolizava segurança, porém, agora se transformou em motivo de angústia em Candiota, na região da Campanha.
Aos 48 anos de idade, dos quais 25 trabalhando na usina que deu origem ao município, Elissandro teme perder o emprego e ter de ir embora da cidade.
— Se a usina fechar, vou fazer o quê da minha vida? Aqui não tem outro trabalho para mim. É só comércio e a prefeitura — afirma o técnico em mecânica.
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Coordenador de manutenção de Candiota 3, Elissandro chefia uma equipe de 150 terceirizados. A usina foi seu primeiro e único local de trabalho, repetindo a trajetória do avô, Silvio Maurente, pioneiro na construção de Candiota 1, e do pai, Silvio, que atuou no departamento administrativo de Candiota 2. Uma irmã e um cunhado também trabalham na usina.
Elissandro vive com a mulher, Lisiane, na Vila Residencial, um conjunto habitacional concebido para ser a sede do município, mas que hoje está praticamente abandonado. O loteamento começou com 38 casas de madeira e uma de alvenaria que recebiam os operários que ergueram a usina nos anos 1950.
Atualmente, seus pouco mais de 20 quarteirões separados por ruas estreitas e curvilíneas abrigam 269 imóveis, todos construídos pela CEEE e pertencentes à Eletrobras. Muitas residências estão desocupadas, duas quadras de esporte estão vandalizadas e praticamente não há lojas, bares e mercearias no bairro, cujo silêncio e vazio humano lembram uma cidade fantasma.
Os moradores que ficaram são em maioria funcionários da usina, de terceirizadas, viúvas de ex-servidores da CEEE ou até mesmo pessoas que compraram as residências no mercado clandestino, sem escritura. Ninguém paga aluguel. No final do ano passado, a Eletrobras enviou correspondência a todos os residentes informando que as casas seriam leiloadas caso eles não manifestassem interesse na compra.
— Meu pai entrou na CEEE em 1971 e ganhou essa casa para morar. Ele morreu e fiquei aqui morando com minha mãe, sem ninguém jamais nos pedir nada. Daí veio essa carta da Eletrobras dizendo que queriam R$ 400 mil pela casa. Não temos como pagar — conta Anderson Teixeira, presidente da Associação de Moradores de Candiota.
Acionada por Anderson, a Defensoria Pública intermediou as negociações com a companhia e houve uma revisão geral nos preços dos imóveis. A casa de Anderson, com três quartos, sala, cozinha e banheiro, agora está à venda por R$ 57 mil. A de Elissandro, também avaliada em R$ 400 mil pela empresa, teve o preço reduzido para R$ 85 mil.
Servidor concursado da Eletrobras, Alex Castro trabalha na usina há 14 anos e está disposto a comprar a casa onde vive desde 2001, quando ainda prestava serviços para uma terceirizada. A empresa reduziu a pedida inicial de R$ 440 mil para R$ 79 mil, parcelados em 24 vezes, mas Castro teme ficar endividado e sem trabalho.
— Eu quero comprar, mas preciso ter certeza de que estarei empregado. Ano que vem faço 50 anos, quem dá emprego para uma pessoa na minha idade? Se fechar a usina, ninguém fica, acabou o município — desabafa o engenheiro-mecânico.
Fuligem acinzenta pastos, automóveis e bancos de praça
Todos os dias, 8 mil toneladas de carvão abastecem a turbina de Candiota 3. Extraído, transportado e beneficiado a céu aberto antes de ser armazenado em silos, o minério espalha uma poeira preta pelos arredores da usina. Dispersa no ar, a fuligem acinzenta pastos, automóveis e bancos de praça.
É impossível permanecer indiferente às partículas que secam a garganta e irritam os olhos diante da torre hiperbólica que se tornou símbolo do município. No interior do complexo energético da Eletrobras em Candiota, a pulverulência é tamanha que funcionários passam o dia lavando as ruas internas.
Originado a partir de florestas soterradas há milhões de anos, o carvão mineral é o combustível fóssil mais poluente do planeta. No subsolo de Candiota, jazem 38% das reservas nacionais, demandando dois séculos para sua mineração total.
Se fala que ele gera muita riqueza, mas a cidade é pobre, tem sérios problemas sociais e não tem sequer um hospital. Que riqueza é essa?
NELSON KARAM
economista
A abundância da matéria-prima levou emprego e renda ao município, mas não garantiu infraestrutura urbana e social. Com 10,7 mil habitantes, Candiota não tem um povoamento contínuo.
Seus seis bairros são em média distantes cinco quilômetros um do outro, separados por largas extensões de campo. Não há serviço de táxi, o comércio é incipiente, com poucas lojas, bares e restaurantes, e para urgências médicas há apenas uma unidade de pronto-atendimento.
— Candiota tem um fetiche com o carvão. Se fala que ele gera muita riqueza, mas a cidade é pobre, tem sérios problemas sociais e não tem sequer um hospital. Que riqueza é essa? — indaga o economista Nelson Karam, coordenador de pesquisa sobre trabalho e meio ambiente do Dieese e que há dois anos estuda a situação de Candiota.
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.