Assentada sobre a maior reserva de carvão mineral do país e à sombra de uma usina termelétrica, Candiota, na região da Campanha, vive dias de incerteza. Após seis décadas gerando emprego e renda enquanto cobria as redondezas com uma fuligem tóxica, o principal complexo energético do município foi colocado à venda pela Eletrobras.
A decisão inquieta os 10,7 mil moradores e torna urgente a busca de uma nova matriz econômica.
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Inaugurado em 1961 pelo então presidente João Goulart, o empreendimento foi concebido para garantir energia à industrialização do país. O objetivo era aproveitar o potencial das enormes jazidas de carvão da região, estimadas em 12 bilhões de toneladas, e a facilidade logística, uma vez que a mineração pode ser feita a céu aberto.
Desde então, o governo federal ergueu quatro usinas, das quais resta apenas uma em atividade, batizada de Candiota 3 — há outra térmica a carvão no município, a Pampa Sul, construída e gerida pela iniciativa privada. Ainda estatal, Candiota 3 começou a funcionar em 2011 e tem capacidade de gerar 350 megawatts (MW), o suficiente para atender cerca de 8% da população gaúcha.
São cerca de 500 pessoas atuando diretamente na operação e manutenção do maquinário, sendo 200 funcionários da Eletrobras e o restante terceirizados. Toda a cadeia energética, contudo, abriga quase metade da força de trabalho do município.
Esse contingente dá a Candiota a segunda maior média salarial do Rio Grande do Sul, com 4,4 salários mínimos por trabalhador formal.
A privatização da Eletrobras, no ano passado, deixou a cidade em alerta. Após sucessivas notícias de que a empresa estava elaborando um programa de descarbonização, os rumores de uma eventual venda da usina acabaram se confirmando em 12 de julho, durante evento com acionistas e investidores.
Ao incluir no plano estratégico a emissão zero de carbono até 2030, a direção da Eletrobras decidiu não mais trabalhar com carvão mineral, o combustível fóssil mais poluente do mundo. Uma semana antes, a empresa já havia anunciado a venda de todas as térmicas a gás de seu portfólio.
Presidente da companhia, Wilson Ferreira Júnior não projetou data para a venda de Candiota 3, mas informou que as tratativas estão avançadas e tentou tranquilizar a população local ao dizer que a negociação não significa o fim das operações.
— Pelo contrário. Hoje, usinas podem continuar funcionando oportunisticamente. Locais como o Rio Grande do Sul têm bastante volatilidade em relação ao clima, pode não ter água ou vento em algum momento, então pode ser necessário um complemento termelétrico — afirmou o executivo.
Cadeia energética é responsável por 40% da arrecadação
Todavia, o horizonte se torna mais turvo em razão das dúvidas em torno da viabilidade econômica da usina. Embora seja lucrativa, Candiota 3 tem um prazo curto de operação comercial. Todos os 35 contratos de venda de energia em vigência se encerram em 31 de dezembro de 2024. Como a empresa não participou de novos leilões, a partir de 2025 não haverá mais clientes.
Para garantir uma continuidade da geração, a comunidade busca apoio do governo federal para estender as atividades até 2041, quando vence a licença de funcionamento. A ideia é aprovar no Congresso Nacional a inclusão de Candiota 3 na Política de Transição Justa (PTJ).
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Estabelecido pela Lei 14.299 de 2022, o programa prorrogou até 2040 a atividade do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina, também movido a carvão. Dessa forma, a exemplo do que ocorre hoje no Estado vizinho, a produção seria comprada pela União como energia de reserva enquanto um conselho composto por agentes públicos e privados define um novo modelo econômico para manter os empregos gerados a partir da queima do carvão.
Segundo o prefeito de Candiota, Luiz Carlos Folador, 40% da arrecadação mensal, estimada em R$ 7 milhões, provêm da cadeia energética. Além de abastecer a usina, as minas de carvão do município fornecem matéria-prima para outra termelétrica e três fábricas de cimento.
— Não acredito que a usina vá fechar. Sou otimista. Os governantes da esfera estadual e federal não cometeriam essa irresponsabilidade de fechar essa usina. Seria algo sem precedentes — diz Folador.
Os posicionamentos
O que diz o governo do RS:
Em nota, o Piratini informa que "o governador Eduardo Leite recebeu recentemente lideranças nacionais e locais do setor para discutir estratégias para a região, no contexto de se promover uma transição energética no médio e longo prazos, que observe as vocações regionais e demandas sociais dos municípios mais envolvidos com a atividade de exploração do carvão mineral. (...) Há iniciativas para diversificar oportunidades na região, como a antecipação da entrega de obras que viabilizam novos parques eólicos, o plano para desenvolver a cadeia do hidrogênio verde e a contratação de um plano de transição energética".
O que diz o governo federal:
O governo pretende promover transição energética justa para o Sul do país, observando impactos ambientais, econômicos e sociais e a valorização dos recursos energéticos e minerais alinhada à neutralidade de carbono. O carvão possui grande relevância na economia de algumas regiões do Sul do país e seu uso na geração de energia elétrica acaba sendo a única forma de viabilizar o aproveitamento do carvão para outros usos. O governo tem estudado alternativas, estabelecendo que o aproveitamento ocorra de forma sustentável.
O cenário de Candiota
A CIDADE
Situada a 400 quilômetros de Porto Alegre, na região da Campanha, Candiota foi fundada em 1992, após emancipação de Bagé. Com 10,7 mil habitantes, o município teve aumento de 22% na população nos últimos 10 anos, conforme o Censo 2022.
A economia local tem a segunda maior média salarial do Estado e a 16ª do país, com 4,4 salários mínimos por trabalhador formal. A cadeia do carvão emprega quase metade da força de trabalho formal da cidade e responde por 40% do orçamento da prefeitura.
O CARVÃO
O RS detém 88% das reservas de carvão do país. Na região de Candiota estão 38% dessas jazidas. São 12 bilhões de toneladas do minério, suficiente para 200 anos de mineração, dos quais 3,9 bilhões podem ser extraídos a céu aberto.
A mineração é feita principalmente em uma cava de 25 hectares, da CRM, onde uma escavadeira com 30 metros de altura escava o solo. Espalhado em duas camadas abaixo da terra, o carvão é retirado em 130 caminhões, fragmentado e levado até a usina em uma esteira de 2,5 quilômetros.
A ENERGIA
No pátio da usina, o carvão é beneficiado a seco, um processo que retira 40% do enxofre e 5% das cinzas. Depois, é armazenado em silos e, dali, transformado em pó em três moinhos pulverizadores. Esse pó é injetado nas caldeiras, onde o calor da queima do carvão aquece a água que circula em tubos ao redor da fornalha.
O vapor resultante é injetado na turbina, cujo eixo gira a 3,6 mil rotações por minuto. O gerador acoplado ao eixo gira também, gerando um megawatt-hora (MWh) por tonelada de carvão queimado.
A POLUIÇÃO
Na queima do carvão, 20% das cinzas ficam na caldeira. Os 80% restantes saem com os gases, passando por dois precipitadores eletrostáticos (filtros), depois por um dessulfurizador. Após esse processo, os gases são dispersos no ar por uma chaminé com 200 metros de altura.
Em junho de 2022, o Instituto de Energia e Meio Ambiente divulgou um inventário de emissões atmosféricas no qual Candiota 3 era, entre 72 térmicas analisadas, a que mais emitia gases de efeito estufa por gigawatt hora produzido (1.327 toneladas de CO2/GWh). A empresa contestou o relatório.