A polêmica proposta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que altera a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado sobre os combustíveis — e que pode ir à votação nesta quarta-feira (13) — não resolverá o problema dos preços altos dos combustíveis, na avaliação da Fazenda gaúcha e de especialista do setor.
Segundo Lira, a mudança de cálculo poderia baratear a gasolina em até 8%. Em contrapartida, reduziria a arrecadação dos Estados e o preço na bomba continuaria sujeito à flutuação do mercado internacional.
Atualmente, os Estados calculam o ICMS com base em um valor de referência, o chamado Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF). Esse preço é calculado quinzenalmente, a partir de uma média dos valores cobrados nos postos.
Sobre o PMPF são aplicadas as alíquotas de cada combustível. No Rio Grande do Sul, a alíquota é de 30% para a gasolina e de 12% para o diesel. O índice de ICMS sobre os combustíveis no Estado é o mesmo desde 2015. Em janeiro de 2022, a alíquota para a gasolina cairá para 25%.
A proposta do presidente da Câmara é de que seja feita uma média dos preços dos combustíveis nos últimos dois anos. E cada Estado aplicaria a sua alíquota sobre esse preço médio. Conforme Lira, a mudança poderia reduzir o preço da gasolina em 8%, o do etanol em até 7%, e o do diesel, em 3,7%.
A reportagem calculou quanto seria a diferença no Rio Grande do Sul. Considerando os PMPFs da gasolina comum coletados em 2019 e 2020, o preço médio no período seria de R$ 4,481, com o ICMS pesando R$ 1,34 por litro. Em setembro de 2021, o preço de referência adotado para fins de tributação era de R$ 6,338, ao custo de R$ 1,90 de ICMS por litro. Nesta comparação de cálculo, o consumidor poderia pagar R$ 0,56 a menos de imposto por litro caso o projeto fosse aprovado.
Para o secretário estadual da Fazenda (Sefaz) do Rio Grande do Sul, Marco Aurélio Cardoso, a fórmula não resolve o problema e abre espaço para mais judicialização em torno do tributo.
— Não há nenhuma relação entre a inflação e a alíquota de ICMS, embora a alíquota de ICMS seja alta. É uma situação que vai gerar uma insegurança jurídica enorme à tributação. É uma base de cálculo que não tem absolutamente nada a ver com nada. Por que dois anos? Qual a relação disso com o preço ao consumidor? — questiona Cardoso.
A crítica à proposta ganha coro entre especialistas do mercado de combustíveis. Para Edson Silva, diretor da consultoria ES Petro, a proposta é uma "falsa solução". Segundo ele, o problema está na política de preços adotada pela Petrobras desde 2017, e não na tributação.
Na configuração atual, os preços dos combustíveis estão sujeitos à variação do câmbio e ao preço do petróleo no mercado internacional, o que tem causado grande elevação na conta final. Na sexta-feira (8), a Petrobras fez novo aumento de 7,19% na gasolina e de 7,22% no gás de cozinha. O último aumento havia sido em agosto.
— É uma forma enganosa de atribuir ao tributo dos Estados o aumento do preço. Está provado estatisticamente e todos os estudos convergem para mostrar que não é o tributo que está impactando, embora esteja alto. A alíquota é a mesma desde 2015 e o preço subiu desde então. O que prova que o problema não está aí — pontua Silva.
Segundo levantamento da ES Petro, o preço da gasolina vendida nas refinarias aumentou 104% desde julho de 2017, quando passou a vigorar a política de preços da Petrobras. Ao passo que o chamado preço de pauta no Rio Grande do Sul aumentou 69%.
Caixa menor
Segundo Cardoso, a Sefaz estima que a arrecadação bruta do Estado teria sido cerca de R$ 980 milhões menor de janeiro a setembro deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, se estivesse em vigor a fórmula de dois anos proposta por Lira.
— Lembrando que isso vai também para os municípios, para a saúde, ou seja, não é um recurso só do tesouro estadual. A imensa maioria das cidades vive mais do ICMS do que do Imposto Sobre Serviços (ISS). Pelo país afora, teria um efeito bastante grande — acredita o titular da Fazenda estadual.
Mas o secretário endossa que a principal oposição à proposta é do ponto de vista técnico, pela "desconfiguração completa do que é o ICMS", e não exatamente pela questão da arrecadação. O Comitê Nacional de Secretários da Fazenda, Finanças, Receitas ou Tributação dos Estados e Distrito Federal (Consefaz) também manifestou posição contra ao projeto.
O consultor acrescenta que alterações anteriores de carga tributária não surtiram efeito esperado de redução de preço dos combustíveis aos consumidores.
— Em março, o governo fez uma manobra isentando por dois meses a PIS/Cofins sobre o diesel. Não adiantou nada. O diesel continuou aumentando. Depois isentou indefinidamente a PIS/Cofins sobre o gás de cozinha, e da mesma forma, não mudou nada, e chagamos a mais de R$ 100 o preço do botijão de 13 quilos. Além de ser inócua do ponto de vista do impacto que o presidente da Câmara está pensando, aumenta a instabilidade porque é discutível do ponto de vista constitucional. Carga tributária estadual é competência dos Estados, e não de uma legislação federal — exemplifica Silva.
Postos no limite
Na outra ponta, a proposta foi bem recebida pela entidade que representa os postos de combustíveis, a Sulpetro. Segundo o presidente, João Carlos Dal’Aqua, a mudança na cobrança do tributo é um pleito antigo e pode ajudar a trazer estabilidade de preços diante de um cenário internacional flutuante. Dal’Aqua assinala, porém, que a intervenção pode contribuir para uma estabilização, e não necessariamente trazer diminuição de valor para o consumidor final.
— Não vai resolver todo o problema, é importante destacar, porque têm outros fatores que influenciam. É um somatório, mas a movimentação do ICMS é necessária para dar uma estabilidade — analisa Dal’Aqua.
Nesse sentido, a proposta que vai à discussão na Câmara poderia trazer maior previsibilidade de preços. Segundo o dirigente, os postos estão com muita dificuldade financeira e o maior problema é a falta de giro:
— O preço alto não interessa ao posto de gasolina de maneira nenhuma. A gente precisa de margem mínima para sobreviver no negócio. Preço alto espanta o movimento — sinaliza.
O consultor Edson Silva lembra, ainda, que o número de postos em funcionamento diminuiu em função de uma margem bruta menor e de custos fixos que continuam aumentando.
— O consumo também diminuiu, embora as atividades estejam sendo retomadas. Nos aplicativos o impacto também foi grande, muitos carros estão sendo devolvidos para as locadoras. Além do impacto que tem no país. O principal da produção no Brasil é transportado por estradas. O preço do diesel alto vai impactar em um conjunto da economia. É bom as autoridades pensarem em soluções dignas e viáveis, e não jogar para a torcida porque não vai resolver nada — diz Silva.