Após o Produto Interno Bruto (PIB) desabar 4,8% no primeiro trimestre, os Estados Unidos ensaiam retomada na atividade econômica. O recomeço dos negócios, contudo, não quer dizer que o país tenha deixado para trás a assombração do coronavírus. A pandemia já provocou mais de 70 mil mortes, maior número no mundo.
Em meio às dificuldades, a intenção do presidente Donald Trump, considerado referência por Jair Bolsonaro, é destravar atividades de maneira gradual. Esse movimento vem sendo desenhado no Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul.
Nos Estados Unidos, a reabertura de empresas ganhou fôlego nos últimos dias. Até o final da semana passada, metade dos 50 Estados americanos havia anunciado retorno de atividades econômicas. Na sexta-feira (1º), por exemplo, o Texas aderiu ao movimento. Na região, uma das mais populosas do território americano, houve permissão para que lojas, restaurantes e shoppings pudessem operar com restrição de público.
Trump, que busca a reeleição à Casa Branca neste ano, lançou o plano de retomada gradual em meados de abril. Na ocasião, defendeu a ideia de que preservar a "saúde da economia" significaria zelar pela "saúde dos cidadãos". A proposta foi dividida em três fases, dando poder de decisão a governadores de acordo com a realidade de cada região.
Na etapa inicial, o plano permite que estabelecimentos como restaurantes e academias voltem a funcionar, com número restrito de clientes, desde que observadas regras de higiene. Na segunda, escolas e viagens não essenciais podem ser retomadas. Por fim, a terceira fase permitiria que pessoas consideradas vulneráveis sob o olhar médico, como idosos e portadores de doenças respiratórias, voltassem a interagir em espaços públicos.
– A reabertura é muito heterogênea. Tem diferentes significados para cada Estado. Na Califórnia, por exemplo, serviços como os de bares e restaurantes ainda não retornaram. O Brasil, de certa forma, está tentando imitar os Estados Unidos, mas está em nível diferente da epidemia. Isso pode ser perigoso – sublinha a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, com sede em Washington.
Igor Morais também ressalta que o plano de Trump permite a cada região do país decidir se reabre os negócios ou não. Economista-chefe da Vokin Investimentos, Morais cursou pós-doutorado na Universidade da Califórnia entre 2016 e 2018.
– O plano federal respeita as definições locais. Traz recomendações, e não imposições. É preciso cumprir etapas, observar número de mortes e casos da doença. Nos Estados Unidos, há uma obsessão por estatísticas, o que auxilia a tomada de decisões neste momento. O Brasil ainda está aprendendo o processo de coleta, armazenamento e divulgação de dados – compara Morais, que elogia o promessa do governo Eduardo Leite de usar informações da área da saúde para permitir ou não a operação de empresas no Rio Grande do Sul.
Por trás do esforço de Trump para reabertura de negócios, está a pancada sofrida pela economia americana, a principal potência do planeta. No primeiro trimestre, ao despencar a uma taxa anualizada de 4,8%, o PIB local amargou a primeira queda desde 2014 e a maior desde a recessão de 2008. O tombo colocou fim ao mais longo ciclo de crescimento do país.
Ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Abdenur observa que o desempenho da economia americana antes do coronavírus era um dos trunfos de Trump para a corrida eleitoral deste ano. Na visão do diplomata, o republicano demorou para agir e mitigar os estragos da covid-19. Abdenur acrescenta que, se o republicano levar adiante as recentes ameaças de imposição de tarifas contra a China, poderá dificultar ainda mais a retomada da economia internacional depois da pandemia, o que também abalaria o Brasil.
– No início, Trump negava a gravidade do problema. Chegou a dizer o equivalente ao que Bolsonaro afirmou aqui no Brasil, que o vírus seria uma espécie de "gripezinha". Trump tinha uma grande chance de se reeleger se a economia continuasse tão bem quanto estava. O desemprego havia caído ao menor nível em 50 anos. Agora, do dia para noite, tudo isso é posto em teste. A questão é ver ser a economia será retomada de forma gradual sem novas perdas relacionadas à epidemia – pontua Abdenur.
Cenário indica recuperação lenta
Mesmo com o status de principal economia do mundo, os Estados Unidos tendem a se recuperar de maneira lenta do choque causado pelo coronavírus nos negócios. O que sustenta a projeção de analistas é a enorme carga de incertezas trazida pela covid-19. Neste momento, ainda não há clareza sobre o tempo de duração da pandemia, e nem sobre a criação de uma vacina contra o problema sanitário.
– A crise não se encerrou no primeiro trimestre, apesar de o governo americano ter lançado um pacote de trilhões de dólares para auxiliar a economia. Nem todas as empresas de lá vão conseguir abrir as portas na mesma velocidade. O comportamento do consumidor também será diferente. Mesmo após a pandemia, ele poderá ter medo de ir a um restaurante ou a um show de rock – menciona o economista-chefe da Vokin Investimentos, Igor Morais.
Em meio aos estragos da covid-19, os Estados Unidos registraram disparada nos pedidos de seguro-desemprego. Só na semana encerrada em 25 de abril, o país teve 3,8 milhões de requerimentos. Assim, o número total de solicitações saltou para cerca de 30 milhões desde meados de março. Isso significa que a taxa de desemprego local deve apresentar alta expressiva. Pelos cálculos da economista Monica de Bolle, o indicador tende a pular de 4,4% para nível superior a 10%.
Segundo a pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, mesmo sendo um país rico, os Estados Unidos devem demorar para conseguir espantar a herança da crise. A economista sublinha que o alto número de casos de covid-19 no território americano representa uma dificuldade adicional. O país já teve mais de 1,2 milhão de pessoas contaminadas, maior número no mundo.
– A economia não voltará tão cedo a uma situação de normalidade, sem a presença do vírus. Há muita incerteza, muita volatilidade. O que determinará o quadro econômico será a questão epidemiológica – comenta Monica.