O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
No início do último mês de dezembro, quando Bento Gonçalves recebia a cúpula do Mercosul, uma pergunta circulava entre os vinhedos da Serra: qual seria o rumo do bloco econômico? Menos de cinco meses após o encontro, a Argentina deposita nova carga de incertezas sobre o futuro da organização, que também reúne Brasil, Paraguai e Uruguai.
Em meio à crise de coronavírus, o governo Alberto Fernández anunciou, na noite de sexta-feira (24), que deixará de participar de negociações comerciais do bloco. As exceções são as duas mais importantes em andamento, com a União Europeia e a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta). A decisão é interpretada como um sinal de maior protecionismo por parte do governo peronista e pode paralisar o Mercosul caso não seja revista depois da pandemia.
Com olhar atento para o assunto, José Botafogo Gonçalves demonstra preocupação. Ao longo da carreira, o diplomata atuou como embaixador brasileiro em Buenos Aires. À coluna, não poupa críticas ao anúncio argentino.
– Digo com toda a clareza: é um retrocesso. Precisamos ver se isso vai perdurar ou não. A decisão pode ter sido derivada do nervosismo causado pelo coronavírus. Agora, se for algo estratégico do governo, vai prejudicar tanto a Argentina quanto o Brasil – avalia.
Na visão do diplomata, o Mercosul segue como um importante mecanismo para os dois países, em conjunto, buscar avanços comerciais, especialmente no fornecimento de alimentos para o mundo.
– Estamos desperdiçando uma força poderosa. Lamento que o Mercosul não seja visto dessa forma – pontua.
A Argentina é o tradicional destino de exportações industriais do Rio Grande do Sul e do restante do Brasil. Por trás do debate sobre negociações comerciais, há um impasse político entre os dois países, já que Fernández e o presidente Jair Bolsonaro colecionam farpas desde 2019.
Mesmo com a tensão inicial, analistas e empresários esperavam que as divergências ideológicas ficassem em segundo plano diante do pragmatismo comercial. A questão é que, neste momento, a integração em busca de novos negócios fica cada vez mais distante.