A proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência à espera de aprovação em segundo turno na Câmara dos Deputados proíbe a formação de novos regimes próprios para servidores e estimula a unificação dos sistemas.
O texto estabelece também que Regimes Próprios de Previdência Social (RPPSs) poderão ser extintos com consequente migração para o regime geral, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Segundo dados da Secretaria de Previdência, há 2.138 órgãos em municípios, Estados e Distrito Federal responsáveis pela gestão de aposentadorias e pensões. A União também tem regime próprio.
Das 5.570 cidades, 2.111 criaram um sistema previdenciário exclusivo para servidores.
As alterações constam do parágrafo 22 do artigo 40 da Constituição. O relator da PEC, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), é o autor das novas regras.
— No futuro, o ideal, o mais justo, é que exista um sistema único — disse. — O ideal é caminharmos para um regime só — completou.
Segundo Moreira, o objetivo é evitar a criação de regimes próprios "que já não são poucos e têm sido origem e fonte de privilégios".
Critérios mais precisos para a criação e extinção de regimes próprios já estavam previstos na proposta original do governo Jair Bolsonaro, mas não a vedação a novos sistemas.
— Deixávamos a decisão sobre ter ou não um novo regime aos próprios entes federativos. O relator teve uma visão mais restritiva — avaliou o secretário-adjunto de Previdência do Ministério da Economia, Narlon Gutierre Nogueira.
No novo texto, mesmo regime superavitário poderá ser extinto. Mas, segundo Nogueira, a extinção é "praticamente impossível" para Estados e cidades que tenham regime antigo. Isso implicaria continuar pagando as atuais aposentadorias sem equivalente receita de contribuições.
Atualmente, para instituir ou extinguir um regime próprio, basta que a prefeitura aprove a decisão na Câmara Municipal. Tanto a proposta original quanto a PEC procuram limitar essa medida, criando critérios específicos.
As novas regras, segundo o texto aprovado por 379 deputados na semana passada, serão definidas em lei complementar. A PEC será submetida a votação em segundo turno em agosto. Depois disso, seguirá para o Senado.
Apesar de Nogueira apontar entraves para a extinção de regimes existentes, especialistas em Previdência ouvidos pela reportagem concordam que a intenção é unificar sistemas de aposentadorias e pensões.
— A lei não cria obrigatoriedade (de extinção), mas a ideia é manter o grupo de servidores que já ingressaram em regra de transição e paulatinamente passar todo o mundo para um único regime — explicou Jorge Boucinhas, professor de direito da Fundação Getulio Vargas.
Um ponto levantado é a importância das alterações na Constituição como uma saída para o rombo fiscal da Previdência pública. Estados e municípios, assim como a União, enfrentam o desafio de déficits.
O rombo financeiro nos Estados chega a R$ 86 bilhões, e, nos municípios, a R$ 12 bilhões, segundo estimativa dos especialistas Paulo Tafner e Pedro Nery, feitas com base em dados de 2017 da Secretaria de Previdência.
Com vários entes enfrentando déficits, criar novos regimes próprios implica "a responsabilidade de gerir o sistema por muitos anos", diz Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Érica Paula Barcha Correia, professora de direito previdenciário e doutora pela PUC-SP, critica as novas regras.
— É um tiro no escuro, não sabemos o que acontecerá quando vier a regulamentação para aqueles servidores que já estão nos regimes próprios. Essa é uma preocupação. Podem mexer, por exemplo, na fórmula de cálculo de benefícios — afirmou.
Segundo ela, há preocupação porque as regras poderão ser modificadas por meio de lei complementar.
Fora da Constituição, que exige dois terços do Congresso para alteração — 308 votos dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores —, essa lei complementar precisará de menos apoio. Bastarão 257 deputados e 41 senadores.
O presidente da Associação Nacional de Entidades de Previdência Estaduais e Municipais (Aneprem), Heliomar Santos, considera que vedar a criação de novos regimes próprios interfere no poder do ente federado de legislar sobre seu próprio sistema.
Para ele, o parágrafo incluído na Constituição pressupõe que o regime próprio causa prejuízos, "quando na verdade é o contrário".
— A maioria dos municípios, excetuando as capitais, está superavitária — disse Santos. — A grande causa dos desequilíbrios são os altos salários do Legislativo, Judiciário e de algumas carreiras do Executivo — completou.
Ele afirma que há de fato casos de entes que criaram privilégios, como a incorporação de vantagens sobre as quais não houve contribuição, mas diz que isso já está sendo corrigido na atual reforma.
Segundo ele, a maioria dos prefeitos que decidiram extinguir regimes próprios acabou voltando atrás. O presidente da Aneprem considera "um grande erro" não inserir Estados e municípios na reforma da Previdência.
Para Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais Federais (Unafisco), o problema do parágrafo 22 é que a discussão não foi transparente.
— Não ficou claro para a sociedade que se está permitindo a extinção dos regimes próprios — afirma ele.
Consórcios
O parágrafo 22 do artigo 40 da Constituição, caso a reforma seja aprovada, também prevê a adesão a consórcios públicos. Neles, entes da Federação — União, Estados, Distrito Federal e municípios — podem se associar para a prestação de um serviço público.
Atualmente, existem consórcios públicos, por exemplo, nas áreas de saúde, saneamento básico e transporte. A reforma autoriza fusões para prestação de serviços previdenciários.
A vedação da criação de novos regimes, a previsão de extinção dos atuais com a migração para o INSS e a possibilidade de criação de consórcios permitem ampliar a massa de segurados, diz Hélio Zylberstajn, professor sênior da FEA-USP e coordenador do Salariômetro da Fipe.
— O pequeno município não terá escala para ter benefício capitalizado. A PEC veda a criação de novos regimes para que municípios que queiram se juntem a sistemas já existentes. Aí entra a ideia do consórcio — afirma.
Professor de direito administrativo da USP, Floriano de Azevedo Marques Neto diz que a regra enfrentará desafios.
— O regime de Previdência é contributivo e solidário. Quem vai fazer a arbitragem sobre ganhos e perdas? — questionou.
Ele diz que a nova regra do artigo, destinada aos regimes existentes, permitirá a fusão de forma interfederativa.
— Deverá ser diferente dos consórcios públicos atuais, porque será por adesão, pela manifestação de vontade do ente — explicou.