O uso de organismos vivos no combate a pragas e doenças na agricultura está se espraiando pelo Brasil. Chamada de controle biológico ou biocontrole, a prática consiste na inserção de inimigos naturais de pestes e transmissores de enfermidades nas lavouras para diminuir perdas na produção. Dados da Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio), atual CropLife Brasil, apontam que o mercado de biocontrole movimentou R$ 464,5 milhões em 2018, alta de 77% sobre o ano anterior.
Boa parte do crescimento é atribuída à expansão do método em grandes culturas e não mais apenas em cultivos de menor escala. Ao recriar interações da natureza, o método não representa nova ferramenta, mas traz aperfeiçoamentos com os avanços tecnológicos no campo, possibilitando opção de defesa a mais aos agricultores.
Um dos exemplos da união entre biocontrole e tecnologia é o uso de insetos para conter lagartas em culturas como soja, milho e cana-de-açúcar via drone. O empresário Cristiano Gotuzzo, de Piratini, no sul do Estado, oferece o serviço de liberação de parasitoides do tipo Trichogramma para livrar as plantações de insetos. As vespas procuram e parasitam ovos de mariposas, impedindo o avanço de lagartas. Ele também oferece a opção de combate ao percevejo.
Produtor de milho e soja, Gotuzzo teve a ideia de atuar na área após enfrentar dificuldades de espalhar os organismos em sua propriedade em razão do sol e calor que castigava a empreitada. Ao pesquisar alternativas na internet, encontrou um drone que facilitava o espalhamento das vespas na lavoura. Desde o ano passado, oferece o trabalho a agricultores. Em 2018, atuou em 1,5 mil hectares, prestando serviço a 10 clientes. Neste ano, sua carteira subiu para 15 propriedades e os hectares cobertos dobraram, chegando a 3 mil:
— Todos que aplicaram ano passado repetiram ou até aumentaram as áreas.
Antes de despejar os ovos das vespas nas plantações, o produtor analisa a área com o auxílio de imagens via satélite. Na sequência, o plano de voo é traçado em um programa integrado ao drone.
O aparelho opera em altura de 20 metros, com velocidade de 10 metros por segundo em linhas paralelas, e consegue percorrer 300 hectares por dia.
Alternativa mais em conta para proteger a lavoura
Cliente de Gotuzzo, o agricultor Waldenir Lopes, de Herval, no Sul, apostou no biocontrole no ano passado após problemas com lagartas na formação da vagem da soja. Lopes disse que o químico para combater a praga era caro, o que o levou a buscar alternativas mais em conta.
— Primeiro, fiz a aplicação do inseticida. Dez dias depois, fiz a aplicação da vespa e não tive problema nenhum até a colheita — comemora.
No ano passado, Lopes cultivou soja em uma área de 500 hectares e usou os macro-organismos em toda a lavoura. Neste ano, a área de plantio vai pular para 620 hectares. Ele já combinou o retorno do Trichogramma e o controle do percevejo.
Não foi apenas o faturamento do setor que cresceu, o número de lançamentos também. Em 2005, apenas seis itens foram registrados no país. Em 2018, 52, segundo o Ministério da Agricultura. Até novembro deste ano, foram 35 produtos. Projeções apontam crescimento de 16,5% no mercado de biodefensivos no mundo até 2025. A América Latina, com expectativa de expansão próxima de 18%, puxa esse movimento, principalmente pela atuação do Brasil na área, segundo a CropLife Brasil. Hoje, os controladores biológicos representam cerca de 2% do setor de agrotóxicos no Brasil.
Mudança de hábito na produção
Em Caxias do Sul, na Serra, o produtor de morangos Fernandes Andreazza também aderiu aos defensivos biológicos. Ele e dois irmãos usam ácaros predadores no combate ao ácaro de tipo rajado nos cerca de 15 hectares da família na Granja Andreazza. Com o negócio há cerca de 20 anos, os irmãos decidiram usar os micro-organismos nos últimos três. Segundo Andreazza, mesmo sendo mais trabalhoso, o sistema garante produto de maior qualidade:
— O objetivo é gerar uma fruta sem resíduos. A gente consegue produzir bem sem usar agroquímicos.
Duas espécies de predadores atuam nas plantações da família Andreazza: o vermelho (Phytoseiulus macropilis) e o branco (Neoseiulus californicus):
— O ácaro branco, quando não tem mais a praga, se alimenta de pólen, conseguindo sobreviver na lavoura. Já o de tipo vermelho é mais agressivo. Porém, quando termina o ácaro praga, que é seu alimento, ele some.
A plantação da família faz parte do programa de produção integrada de morango da Embrapa Meio Ambiente, que prevê série de técnicas para reduzir o uso de agrotóxicos nos cultivos e aumentar a produtividade.
Andreazza detalha que o sistema aumenta o trabalho pela necessidade de maior vigilância da área de cultivo, pois não tem poder de combate tão imediato quanto o dos agentes químicos:
— Nosso trabalho é monitorar as pragas. A partir do momento que começa a ter um nível de dano ou incidência, temos de entrar mais cedo com o ácaro do que se estivesse usando químico.
Adepto ao uso do parasitoide Trichogramma, o produtor de soja Alberto Oliveira, 44 anos, afirma que é necessário mais tempo de utilização para analisar os benefícios com precisão. No entanto, a experiência na safra passada o deixou satisfeito. Prova disso é que ele vai aumentar a área de aplicação de 200 hectares para 800 hectares, espalhados em propriedades nos municípios de Rio Grande e Canguçu, no Sul.
— O resultado foi muito satisfatório, mas temos de avaliar mais uns anos pelas questões climáticas. Para um produto quase imperceptível ao olho humano, é surpreendente — salienta Oliveira.
Sistema para todos os tamanhos
Pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Dori Edson Nava diz que um dos fatores que explica a evolução do controle biológico no Brasil é a mudança de paradigma em relação ao sistema. Antes, o uso de biológicos era encarado como método voltado apenas para a agricultura em menor escala, conceito que foi desmitificado e abriu as portas para a expansão do mercado.
— Quando você pega a bibliografia de anos atrás, o controle biológico era direcionado para pequenas áreas, cultivos permanentes, orgânicos. Hoje, a que mais utiliza biológicos é a grande agricultura — conta Nava.
A tendência é de expansão do mercado, considera o pesquisador. Ele detalha que os biológicos também ganham espaço em cenário onde o uso constante de agentes químicos com o mesmo princípio ativo perde efeito, com agressores cada vez mais resistentes.
— Uma das estratégias recomendadas na agricultura convencional é quebrar o ciclo de uso de químicos com o mesmo princípio ativo. Você tem opção de fazer o rodízio desses itens, o que é difícil, porque existem poucos produtos de princípio ativo diferente, e tem a possibilidade de inserir os biológicos, que retardam a resistência — explica Nava.
Quando você pega a bibliografia de anos atrás, o controle biológico era direcionado para pequenas áreas, cultivos permanentes, orgânicos. Hoje, a que mais utiliza biológicos é a grande agricultura.
DORI EDSON NAVA
Pesquisador da Embrapa Clima Temperado
Professor do Departamento de Fitopatologia e Nematologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), José Otávio Machado Menten reforça o potencial de avanço dos biológicos no país. Menten destaca o fortalecimento da indústria, que possibilitou maior efetividade no serviço:
— Temos empresas com capacidade de fazer controle de qualidade.
São produtos que passam por análise de registro extremamente rigorosa. Hoje, são muito mais seguros, não só do ponto de vista agronômico, mas também ambiental e toxicológico.
Ferramenta de manejo integrado
O controle biológico não surge apenas como alternativa aos químicos utilizados na agricultura. O sistema também é ferramenta importante dentro do conceito de Manejo Integrado de Pragas (MIP), que prevê a integração entre diferentes métodos no combate aos agentes que causam danos à produção. Na prática, agrotóxicos tradicionais e agentes biológicos são utilizados em harmonia nas lavouras para otimizar a produção.
Uma das ações que reforça a importância do MIP ocorreu no segundo semestre deste ano. Entidades representativas dos segmentos de defensivos químicos e biológicos, das áreas de pesquisa, biotecnologia e agricultura digital se uniram para a criação da CropLife Brasil. Diretora-executiva de Defensivos Biológicos da instituição, Amália Borsari destaca a importância dessa harmonização:
— É o conjunto dessas práticas que vai fazer com que o produtor tenha a melhor efetividade de defesa.
Amália explica que o uso exclusivo do biocontroles é difícil, pois não existem produtos para conter todas as pragas e doenças nas lavouras. Além disso, destaca que muitos agricultores não utilizam a ferramenta por desconhecimento. Pesquisa da ABCbio no ano passado apontou que 98% dos produtores que usaram biodefensivos na safra 2017/2018 tinham intenção de repetir o trabalho na safra seguinte.
— A ideia da CropLife Brasil é levar informações ao produtor para que ele saiba utilizar os produtos de forma adequada. Não é benefício para as empresas de agroquímicos perder a efetividade por conta de resistência — afirma Amália.
O diretor técnico da Emater, Alencar Rugeri, destaca o biocontrole como ferramenta importante dentro do conceito do MIP.
— Entendemos o manejo integrado ou a produção integrada como o ponto de equilíbrio da atividade agrícola. Ou seja, é usar toda a informação científica para não utilizar produto de alto impacto — diz o diretor.
Rugeri afirma que a Emater desenvolve trabalho para disseminar informações sobre técnicas que podem ser aliadas no controle de pragas:
— O produtor precisa ter o esclarecimento necessário para saber o que fazer. A gente prega três pilares: planejamento, profissionalismo e gestão.
Atenção: acesse o site e o aplicativo GaúchaZH usando o seu e-mail cadastrado ou via Facebook. O nome de usuário não está mais disponível. Acesse gauchazh.com/acesso e saiba mais.