O Brasil, incluindo a porção que nunca esperou muito das intenções de alguns personagens de Brasília, jogou a toalha? É o que pode explicar o silêncio e a inércia diante do caradurismo, aquele comportamento típico do Brasil Colônia que, sem pejo e à luz do sol, vai se apropriando de partes do Estado para proveito pessoal.
Uma breve compilação das últimas semanas desnuda o descaramento em praça pública. Enquanto a Câmara Federal penava para fazer passar os fundamentais pacote de gastos e a reforma tributária, os deputados aprovavam, com apoio do Planalto, a criação de mais uma estatal — a Companhia Docas de Alagoas, que terá no comando, é claro, um aliado do presidente da Casa, Arthur Lira. Alguém precisava de mais uma estatal? Portos, é bom lembrar, são aqueles queijos suíços que justificam, por si só, a robustez da Receita Federal e da Polícia Federal.
Na mesma onda, o Planalto driblou a resolução do STF sobre emendas e liberou via portarias R$ 7,7 bilhões para saciar o apetite parlamentar pela bufunfa dos impostos. Nada de novo no horizonte do país dos penduricalhos, das benesses e dos privilégios para quem tem a caneta na mão. Não fosse a PF, talvez nem ficássemos sabendo da apreensão de R$ 1,5 milhão em cédulas em um jatinho de Salvador para Brasília, em um esquema — que surpresa — originado nas emendas.
Tudo acima é rotina, coisa que nem chama mais atenção, até porque os caraduras não estão nem aí para editoriais e colunistas de jornais. Mas agora há um novo limiar da desfaçatez sendo rompido: o da nomeação de mulheres de ministros e governadores para os Tribunais de Contas dos Estados, aqueles órgãos criados e mantidos para fiscalizarem, vejam só, o poder público. Na semana passada, a Assembleia do Ceará aprovou o nome da psicopedagoga Onelia Santana, mulher do ex-governador e atual ministro da Educação, Camilo Santana, para um cargo vitalício no TCE com salário de R$ 39,7 mil. A súbita vocação para conselheiras de tribunais de contas já acometeu também as mulheres dos ministros dos Transportes, do Desenvolvimento Social, da Integração e da Casa Civil, todos ex-governadores de Alagoas, Piauí, Amapá e Bahia, além das atuais primeiras-damas do Pará e de Roraima.
Os tribunais de contas são um caso à parte. É parte da mentalidade colonial os governantes nomearem aliados em seu crepúsculo político para a sinecura vitalícia. Por isso, a hipótese de Lula indicar a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para o Tribunal de Contas da União, que fiscaliza o governo federal, já nem surpreende e escandaliza. O Papai Noel existe, assim como as boas intenções neste Brasil Colônia onde os caras de pau reinam absolutos.