Não é apenas a exibição de fidalguia na transição presidencial, o apreço à liberdade e o profundo senso democrático que o Uruguai tem a ensinar ao Brasil. No primeiro turno das eleições, em 27 de outubro, os uruguaios deram uma demonstração de que, além da maturidade política, também alcançaram a maturidade econômica ao rejeitar em plebiscito a redução da idade para aposentadoria de 65 para 60 anos.
O que os uruguaios fizeram só tem paralelo em poucas nações com arraigada convicção de que as contas públicas precisam estar em ordem, porque, do contrário, toda a sociedade paga a conta das benesses. Mais surpreendente ainda foi se constatar que até a banda de centro-esquerda, que acabou elegendo o presidente Yamandú Orsi, era contrária ao encurtamento do tempo para aposentadoria. O ex-presidente José Mujica, ídolo da esquerda brasileira, chegou a dizer que haveria um caos na estabilidade jurídica do país caso a proposta fosse vencedora.
Por seu teor murcho e populista, o pacote de contenção de gastos – o governo tem brotoeja com a palavra corte – recebeu a resposta previsível: decepção
Corta para o Brasil. A ala política do governo Lula, aquela que acha que dinheiro nasce em árvore, que a vaquinha dos impostos sempre tem um leite a mais e que a popularidade fácil vale mais do que a estabilidade e o desenvolvimento a longo prazo, venceu mais um round. Por seu teor murcho e populista, o pacote de contenção de gastos – o governo tem brotoeja com a palavra corte – recebeu a resposta previsível: decepção, dólar a R$ 6 e juros apontando para acima de 14% ao ano.
O Congresso ainda pode mexer no pacote, mas quem confia que esquerda, direita e centrão conseguem soletrar austeridade sem gaguejar? Vá lá que o Brasil não vai descarrilhar nem se tornar uma Argentina peronista, cuja rotina era passar calote e culpar os outros pela hiperinflação. Mas a história econômica cobra um preço pelo desperdício de recursos e oportunidades.
É uma lástima. A janela que Lula tinha para provar que está mais para o Uruguai do que para o Brasil de Dilma se fechou neste fim de ano, véspera da posse de Donald Trump. Ninguém acha que a vida dos outros vai melhorar com Trump na Casa Branca e, por isso, todos os governos responsáveis estão se adiantando em fazer o dever de casa.
Por aqui, o populismo, traduzido pela frouxidão com os cofres públicos com vistas políticas, triunfou de novo. Infelizmente, os brasileiros não podem se mudar para o pequeno Uruguai, mas podemos ao menos invejar de longe a lucidez de nossos vizinhos.