O sem-noção vem de longe. Ele é aquele que, na aula de matemática, quando o professor está arrematando a explicação decisiva para a compreensão da equação, e para a nota na prova, solta uma piadinha para distrair a atenção da turma. Na juventude, ele é o que acha que não acontecerá nada ao pegar a direção depois da farra ou que, para se exibir, dá um salto mortal, por vezes de fato, em águas rasas ou desconhecidas.
Não sei como a psiquiatria define os sem-noção, mas deve haver uma patologia associada
O sem-noção é aquele que chama para briga lá fora, corta a frente dos outros, fura a fila, dá carteiraço, estaciona na vaga dos deficientes, desacata o policial, destrata empregados, humilha os humildes. O sem-noção não é aquele ser tosco mas de alma gigante e universal. Ele é grosso, mal-educado e um egocêntrico que imagina o universo girando em torno de si. No Rio Grande do Sul, o sem-noção é, também, um bagaceiro.
Mais recentemente, a nação dos sem-noção encontrou um campo fértil para destilar seu sem-nocentismo. Ele se achou na internet e acha que é dono dela. Os sem-noção despejam grosserias nos espaços de comentários, ofendem outros usuários e se roem por dentro ao abrir a caixa de agressões contra quem pensa diferente. Pouco importa que o alvo dos ataques pouco se importe. O prazer do sem-noção é se imaginar vingado e notado, ainda que em geral seja só desprezado.
Não sei como a psiquiatria define os sem-noção, mas deve haver uma patologia associada a quem se compraz em quebrar regras comezinhas de convivência. Vejam-se os grupos de WhatsApp. Precavidamente, o abnegado que cria e administra o grupo de ex-colegas da faculdade, de pais da escola ou do condomínio trata de explicitar as regras: nada de política, religião ou manifestações sexistas. O grupo é exclusivamente para compartilhar bons momentos vividos entre pessoas hoje muito diferentes ou para trocar informações importantes e úteis a todos.
Identifica-se o sem-noção por aquele que, conhecendo e aceitando as regras, insiste em contrabandear seus devaneios ideológicos, na certeza – ele não tem noção, lembre-se – de que todos os outros estão no grupo para curtir seus memes políticos. O sem-noção fica indignado e reclama sua “liberdade de expressão” ao ser recordado pelo pobre administrador sobre as regras do grupo. Quando, repreendido pela terceira vez, ele abandona o que pensa ser um campo de combate, os demais respiram aliviados.
Os sem-noção se gabam de quebrar normas, de encontrar um jeitinho maroto, ou francamente ilegal, de contornar obstáculos e se veem como os mais espertos. São na verdade os mais tolos, mas, como falta-lhes noção, nunca ficarão sabendo disso.