O maremoto trumpista de 2024 levantou uma série de semelhanças com o bolsonarismo do passado, mas também foi além. A eleição de Donald Trump e as dificuldades de uma candidata que seguiu o manual das boas maneiras políticas antecipam muito do que se verá no Brasil nos próximos anos.
Algumas circunstâncias são por acaso, como os atentados sofridos por Jair Bolsonaro e Trump durante as campanhas. Outras são deliberadas, como se apresentar na condição de candidatos antissistema. Mas tanto o trumpismo quanto o bolsonarismo derreteram as crenças eleitorais que guiavam esquerda e moderados nos EUA e no Brasil. Como ficou claro nas eleições municipais, os candidatos com discursos mais radicais não se preocupam em seduzir todo o eleitorado: basta acender o rancor de uma parte significativa dele, em geral ignorada pelo establishment.
No Brasil, a direita e os radicais vão seguir sambando nas eleições enquanto os demais candidatos se mantiverem omissos ou dúbios sobre questões cruciais como a criminalidade
Com a tática em mente, discursos divisivos, ataques abaixo da linha da cintura e, sobretudo, a promessa de resolver os desconfortos desse eleitorado, alguns dos quais politicamente incorretos, encontram em Trumps, Bolsonaros e Marçais os novos paladinos de multidões que não se veem retratadas em candidaturas alienadas daqueles sentimentos mais íntimos. A imigração é um exemplo. Esse é um não problema no Brasil, mas causa evidente incomodação a grande parte do eleitorado americano. Em vez de equacionar um problema óbvio, os democratas, e em especial a esquerda do partido, carimbam os que se opõem à imigração ilegal como preconceituosos, elitistas, malvados e por aí vai. A resposta veio nas urnas.
No Brasil, a direita e os radicais vão seguir sambando nas eleições enquanto os demais candidatos se mantiverem omissos ou dúbios sobre questões cruciais como a criminalidade, que passou a saúde no topo das preocupações de algumas metrópoles. Não por acaso, nomes que estão se fardando para 2026 fazem romaria a El Salvador, onde o presidente Nayib Bukele navega na popularidade ao botar em isolamento 80 mil membros de gangues. Pode não ser bonito de se ver um Estado policial, mas o número de assassinatos no país, cuja média era de um por hora, caiu para pouco mais de cem desde o início do ano. A população anda nas ruas sem olhar por cima do ombro.
Não precisaria se chegar a um El Salvador para que políticos de todos os matizes finalmente reconheçam e resolvam as angústias mais profundas do eleitor. Do contrário, como identificou o jornal The New York Times, que ao longo dos últimos três anos, auscultou 680 eleitores em 61 pesquisas qualitativas, o que era frustração se transforma em ansiedade e depois em ressentimento. E ele, como se viu, desaguou na vitória acachapante de Donald Trump.