
Certa feita, em uma viagem pelo Japão, notei que o motorista do ônibus, ao parar em vias com mínima inclinação, descia e imediatamente dispunha um calço na roda. Sem o calço, o ônibus ia deslizar? Muito provavelmente, não. Mas havia uma chance, por menor que fosse, e por isso a cautela de não confiar apenas nos freios de estacionamento ou motor.
O motorista japonês me veio à mente ao deparar com mais uma tragédia no trânsito gaúcho. As investigações ainda vão determinar as circunstâncias de como um ônibus deslizou de ré e matou pai e filha de seis anos em Sapucaia do Sul — um acidente ainda mais absurdo do que os absurdos a que assistimos diariamente. Pelo depoimento do motorista, ele tentou segurar o ônibus agarrando-se ao para-choque, um gesto tão desesperado quanto inútil.
A lei de trânsito brasileira determina que todo veículo com mais de 3,5 toneladas deve ter a roda calçada quando estaciona em declive ou aclive. Um ônibus médio pesa 16 toneladas. Motoristas e cidadãos não precisariam de lei e punição para prevenir acidentes, mas a regra não é essa no Brasil. Mesmo com todo o arsenal de legislações e normas, há um traço cultural na irresponsabilidade que governa nossas vidas, e muitas vezes as encerra.
Do caminhão dos bombeiros cujos freios não funcionaram e legou cinco mortos na Estrada do Mar em janeiro passado ao tio que enche a canoa de crianças sem coletes salva-vidas, vivemos uma rotina de desastres perfeitamente evitáveis se a cultura da irresponsabilidade fosse substituída pela cultura da segurança.
Converse com qualquer europeu que tenha vivenciado o trânsito brasileiro e se terá uma visão mais nítida desse traço cultural. Para eles foge a qualquer compreensão que um motorista não respeite a faixa de segurança ou que um pedestre ignore a passarela e ponha a vida na corda bamba ao atravessar seis pistas de alta velocidade separadas por uma mureta — o que ocorre a todo momento na BR-116, entre Novo Hamburgo e Porto Alegre, por sinal.
Nossa cultura da irresponsabilidade caminha de braços com a cultura da transgressão. Por vezes, é o motorista apressadinho que fura o sinal vermelho naquele instante em que o verde abre para outros, e provoca uma tragédia. Noutras, parece ser apenas um desrespeito generalizado do código de trânsito quando veículos estacionam a menos de cinco metros da esquina e bloqueiam a visão de outros que querem entrar na via. Faltam fiscalização e punição? Sem dúvida. Mas faltam, sobretudo, prevenção e que os transgressores sejam repreendidos e repudiados, nunca vangloriados ou aceitos, pelos demais cidadãos.