Não deixa de ser uma ironia que o presidente Lula tenha falado em comprar “alguns” novos aviões para a Presidência após uma pane no Aerolula ao deixar o México, onde assistiu a seu amigo e aliado ideológico Manoel Lopez Obrador passar a faixa à sucessora. Pois AMLO, como é conhecido, fez exatamente o contrário: se elegeu prometendo vender o Boeing 787 da presidência do México. A bufunfa obtida com a venda, em 2023, foi canalizada para a construção de dois hospitais.
Outro amigo de Lula que viaja pelo mundo em avião alugado é o papa Francisco, que, com todas as suas limitações físicas, não se queixa da falta de comodidade
Lula poderia ter perguntado ao amigo mexicano como fazia para se deslocar. Até por razões de segurança, o brasileiro não precisaria chegar ao ponto de viajar ao Exterior em classe econômica — uma demagogia que não durou muito na gestão de AMLO. Mas, assim como no México e na Argentina de Javier Milei, poderia muito bem voar em jatinhos no próprio país ou, em viagens ao Exterior, alugar jatos comerciais ou voar em classe executiva com seus ministros.
Outro amigo de Lula que viaja pelo mundo em avião alugado é o papa Francisco, que, com todas as suas limitações físicas, não se queixa da falta de comodidade. Aliás, em vez de queimar pelo menos R$ 400 milhões em um avião novo, Lula poderia atualizar a tecnologia da frota de hoje ou, ainda melhor, vendê-la e negociar com a Embraer um desconto para fazer marketing lá fora de um importante e reconhecido produto nacional.
Nada disso vai acontecer, porque na Terra Brasilis nos acostumamos a achar normal que autoridades requisitem jatos da Força Aérea Brasileira para flanar por aí. Nada ilegal, tudo dentro da lei e da ordem. Deve ser muito bom mesmo chamar um jatinho como quem pede um carro de aplicativo. Mas é um desperdício, e uma demonstração de desconexão e desapreço pela realidade do país, que ministros e presidentes de poderes se desloquem nas asas da FAB, que, convenhamos, tem missão bem mais nobre do que transportar excelências.
A preocupação de Lula em comprar novas aeronaves para servi-lo é o rosto da histórica mentalidade de poder no Brasil. A disposição colonial de aproveitar as mordomias que a leniência local concede e de exibir símbolos de poder aos súditos atravessa todos os inquilinos do Planalto e se desdobra por toda a cascata do serviço público, como a eterna praga dos carros oficiais. Não precisam as autoridades irem para o serviço de bicicleta, como fazia o ex-primeiro-ministro holandês Mark Rutte (com os agentes de segurança resfolegando ao lado). Mas um pouco de discernimento e desapego das benesses ofertadas às autoridades brasileiras já daria início a uma nova e saudável era na relação entre poder e sociedade. Ela seria demarcada por servir ao público, e não o contrário.