À frente de um time de 90 pessoas, quase a totalidade homens, a gaúcha Roseane Campos foi a primeira mulher no mundo a assumir o cargo de diretora de engenharia da AGCO, fabricante de máquinas agrícolas presente em 150 países. Há dois anos, a paranaense Vanusa Siega passou a ocupar o principal cargo da maior unidade brasileira da Corteva Agriscience. Diretora de Políticas Agrícolas da Bayer no país, a paulista Alessandra Cerdeira Fajardo senta à mesa em negociações com entidades agrícolas – dominadas por homens. As três líderes quebraram barreira sutil e transparente que por anos freou o avanço das mulheres em cargos de direção no mundo corporativo, teoria conhecida como teto de vidro.
Para aumentar a presença feminina no topo da hierarquia empresarial, grupos anunciaram neste ano estratégias para ampliar a diversidade. Há uma semana, a Cargill, uma das gigantes do agronegócio mundial, deu início ao primeiro processo seletivo às cegas para contratação de líderes. O país escolhido para começar foi o Brasil e o setor o de operação de grãos, justamente onde homens são maioria.
– O modelo de recrutamento busca eliminar o viés inconsciente e impulsionar a contratação de profissionais pelas competências – explica Simone Beier, diretora de Recursos Humanos da Cargill no Brasil.
Na prática, serão omitidos nos currículos dados de gênero, idade e raça, revelados apenas nas entrevistas. A ideia é combater discriminação e preconceito, criando equipe diversificada. Com 10 mil funcionários no país, a Cargill, que criou há três anos o grupo Mulheres Operando no Brasil, tem hoje 26% dos cargos de liderança ocupados por elas.
Sempre concorri com outros homens. E, para ser igual, precisei sempre ser melhor.
ROSEANE CAMPOS
Diretora de gerenciamento de novos produtos da AGCO na América do sul
– Até 2030, queremos atingir a equidade de gênero em nível global, chegando a 50% de mulheres em cargos de chefia – adianta Luiz Pretti, presidente da Cargill no Brasil.
Na AGCO, dona das marcas Massey Ferguson e Valtra, o desafio será ainda maior. Com 8% de mulheres em cargos de liderança na América do Sul, a multinacional pretende chegar a 20% até 2020. A baixa participação feminina é atribuída à natureza da indústria de engenharia e mecanização, com maioria masculina desde os bancos universitários.
– Em setores de marketing, administração, recursos humanos e comunicação, as mulheres já estão bem posicionadas. O desafio é quebrar paradigmas em áreas de engenharia e supply chain (cadeia de suprimentos) – aponta Sheila Fonseca, diretora de Recursos Humanos da AGCO na América do Sul.
Foi justamente nesse segmento que Roseane Campos, 48 anos, natural de Porto Alegre, fez história. Em 2012, ela foi a primeira mulher do mundo a assumir o cargo de diretora de engenharia da AGCO, na América do Sul.
– Acumulei experiência no setor automotivo, onde também predominam homens, e isso me ajudou bastante – recorda a engenheira química, com pós-graduações em Engenharia de Produção e Logística e de Materiais.
Em 2015, Roseane assumiu a diretoria de gerenciamento de novos produtos – dentro de meta da multinacional de renovar o portfólio até 2019. Neste ano, subiu mais um degrau ao ser uma das 10 executivas escolhidas para participar de programa mundial da AGCO voltado a lideranças.
– Sempre concorri com homens. Para ser igual precisei ser melhor – conta Roseane, mãe de menina de 13 anos.
O sentimento da executiva é confirmado em pesquisas de liderança.
– Estudos mostram que as mulheres precisam se sentir 120% preparadas para buscar seus espaços – destaca Viviane Barreto, diretora da Fundação Dom Cabral, escola de formação de executivos.
Viviane ressalta que a presença da mulher como protagonista no mundo dos negócios ainda é muito baixa:
– Na entrada, há equilíbrio entre homens e mulheres, mas quando vai subindo o nível hierárquico, a equidade reduz.
Movimento ganhará força nos próximos anos
O desequilíbrio de gêneros em cargos de liderança corporativa é histórico, com homens sendo preparados durante anos para assumir cargos de chefia. Com o movimento dos últimos anos, a tendência é de que uma nova geração de líderes mulheres chegue com mais força no mercado de trabalho na próxima década.
– Essa diversidade, de gênero, raça e orientação sexual fará toda a diferença nas empresas – prevê Ana Claudia Cerasoli, diretora de Marketing na América Latina da Corteva Agriscience, divisão agrícola da DowDuPont.
Hoje, a empresa tem 35% dos líderes no país do sexo feminino. O número foi alcançado com ações voltadas à seleção de talentos – dos cargos iniciais até aos mais altos. Há pouco mais de um ano, a agrônoma Vanusa Siega assumiu a principal posição da unidade de produção de soja da Corteva em Planaltina (DF) – uma das maiores do mundo. Na companhia há 15 anos, ela começou como estagiária, passou por trainee, funções técnicas e coordenação no campo – onde construiu boa parte de sua trajetória – até se tornar gerente de produção da unidade.
Dentro da empresa sempre fui muito respeitada, mas o mundo lá fora, no campo, nem sempre foi assim.
VANUSA SIEGA
Gerente de produção da unidade de soja da Corteva em Planaltina (DF)
– Tenho um time de 65 funcionários efetivos e outros 150 temporários, a maioria homens. Dentro da empresa, sempre fui muito respeitada, mas no mundo lá fora, no campo, nem sempre foi assim – relata Vanusa, 37 anos, mãe de um casal de filhos, de oito e seis anos.
Para o diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), o setor produtivo avançou muito rapidamente nos últimos anos, velocidade a qual não foi acompanhada pela participação feminina em cargos de comando.
– Esse movimento passa por quebra de paradigmas, inclusive culturais, dentro do setor – admite.
Independentemente do gênero, o perfil das novas lideranças corporativas do agronegócio será da articulação da cadeia – desde o campo até o consumidor final.
– O agronegócio está se transformando e seus líderes precisarão mudar também. A capacidade de integrar todos os elos será um diferencial – avalia Fabiana Alves, executiva do Rabobank no Brasil.
Flexibilidade para conciliar maternidade e trabalho
Em busca da equidade entre homens e mulheres em papel de comando, empresas do agronegócio passaram também a adotar políticas que conciliem a maternidade com a rotina de trabalho – normalmente com viagens e atividades em municípios distantes dos grandes centros urbanos.
Nos últimos anos a lógica mudou um pouco. Mas, por muito tempo, vi colegas tão capazes como eu crescendo mais rápido. Meus degraus sempre foram mais longos.
ALESSANDRA CERDEIRA FAJARDO
Alessandra Cerdeira Fajardo, diretora de Políticas Agrícolas da Bayer no Brasil
– É preciso ter flexibilidade e fazer ajustes que permitam à mulher conviver com as duas realidades, a de mãe e a de profissional líder – destaca Flávia Ramos, diretora de Recursos Humanos da Bayer no Brasil.
A gigante do setor de químicos e de sementes tem 20% de mulheres em cargos de chefia no Brasil. Em cinco anos, a meta é dobrar esse percentual.
– O mercado demorou para acordar. Agora, a ordem é correr para acelerar esse movimento – completa Flávia, acrescentando que durante anos homens foram treinados para atuarem no comando.
Foi nesse ambiente, por vezes naturalmente machista, que Alessandra Cerdeira Fajardo, 47 anos, assumiu há dois anos um cargo até então ocupado por líderes do sexo masculino. Diretora de Políticas Agrícolas e Relacionamento com Stakeholders da Bayer no Brasil, ela senta na mesa com entidades representativas do setor – a grande maioria dirigida por homens – para discutir assuntos como regulação de produtos e pagamento de royalties.
– Canso de participar de reuniões de trabalho em que sou a única mulher – conta a agrônoma, mãe de uma menina de seis anos.
Apesar de ter alcançado cargos de destaque, após ter trabalhado no campo, sempre em meio a homens, Alessandra presenciou por muitos anos colegas do sexo oposto, com as mesmas qualificações do que ela, ascenderem mais rapidamente a posições de liderança.