O cenário desesperador visto nos últimos dias em propriedades rurais, com milhões de aves mortas por falta de alimento e de litros de leite jogados fora, evidenciou as limitações de um país que transporta grande parte da produção em carrocerias de caminhões – com poucas alternativas logísticas. No ano passado, circularam por rodovias brasileiras cerca de 1,3 bilhão de toneladas de produtos agropecuários, a um custo aproximado de R$ 105 bilhões, segundo estimativa do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-Log/USP).
– O agronegócio é extremamente dependente da logística. O impacto é muito alto por se tratar de commodities, que precisam ser transportadas para beneficiamento ou exportação – explica Thiago Guilherme Péra, coordenador técnico da Esalq-Log.
Provocados a indicar soluções para o transporte agroindustrial brasileiro, no calor da maior paralisação de caminhoneiros da última década, líderes e técnicos do agronegócio compartilham da necessidade de o país ter um planejamento e execução a médio e longo prazos para fortalecer e diversificar a infraestrutura – condição ao crescimento econômico.
1. Caminhões somente em viagens curtas
Um dos setores mais impactados pela paralisação dos caminheiros no país foi a produção de aves – com quase 70 milhões de animais mortos por falta de ração. A greve afetou também a exportação de carne de frango e suína. No Rio Grande do Sul, as perdas na avicultura somaram R$ 20 milhões por dia, enquanto na suinocultura foram de R$ 14 milhões.
– O setor de aves e suínos sempre vai depender de rodovias nos trajetos curtos, das propriedades até as indústrias e das indústrias até o consumidor – diz Ricardo Santin, vice-presidente e diretor de mercado da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Diante dos prejuízos acumulados em 11 dias de paralisação, as empresas passaram a cogitar a possibilidade de aumentar a frota própria de caminhões.
– O caminhoneiro é o nosso grande parceiro e continuará sendo. Mas precisamos reduzir nossa dependência, para não ficarmos reféns como agora – diz Santin.
Essa necessidade pode ser aliviada também, acrescenta Santin, com a diversificação dos modais de transporte nas longas distâncias – com o uso de ferrovias para transporte de insumos, como o milho produzido no Centro-Oeste, e de cabotagem para mercadorias nos cerca de 8,5 mil quilômetros de costa brasileira.
2. Investimentos da iniciativa privada
Diante de governos sem capacidade para investir, a solução para o transporte agroindustrial terá de passar por parcerias público-privadas, na opinião do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV):
– A matriz do transporte brasileiro é superada. Todo o sistema deve ser reformulado, abrindo espaço para ferrovias e hidrovias. Mas, para isso, é preciso dinheiro, o que o Estado não tem e não terá no curto e médio prazos.
Rodrigues lembra que a agricultura brasileira, costeira há 40 anos, se deslocou para o Oeste sem que a infraestrutura migrasse junto. O coordenador do Centro de Agronegócio da FGV destaca que estudos de uma nova matriz de transporte estão prontos, mostrando as regiões onde há potencial para investimentos em ferrovias e hidrovias.
– Para saírem do papel, é preciso dinheiro e segurança jurídica – ressalta.
O ex-ministro da Agricultura refere-se à necessidade de o governo dar condições para que o setor privado invista na logística brasileira – com regras e legislações claras e confiáveis.
3. Rodovias devem ser priorizadas
Se o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil foi o de transporte rodoviário, é preciso que o modal seja priorizado, defende Gedeão Pereira, presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul):
– A escolha foi correta, pois por onde passam as rodovias, criam-se condições para o desenvolvimento.
O grande problema, pondera o dirigente, é a falta de recursos.
– Se optou por um modelo, mas não se investiu nele. A maioria das rodovias no Estado foi construída ainda no período militar – analisa Pereira.
Para o presidente da Farsul, antes de pensar em ferrovias ou hidrovias, é preciso recuperar a malha rodoviária _ que hoje responde por 92% do transporte de cargas no Rio Grande do Sul. Na opinião do dirigente, outro gargalo é a questão tributária, que precisa de reforma para dar maior retorno à população.
4. Menos burocracia para novos empreendimentos
O entendimento de que a iniciativa privada é uma das saídas para desafogar a logística agroindustrial esbarra na burocracia brasileira.
– Temos demanda para investimento e recursos, mas não conseguimos vencer a burocracia – relata Caio Vianna, presidente da Cooperativa Central Gaúcha Ltda (CCGL), controladora dos terminais graneleiros Termasa e Tergrasa, que operam no porto de Rio Grande.
O executivo conta que a cooperativa está há mais de dois anos tentando iniciar a obra de expansão que permitirá aumentar a capacidade de recebimento e expedição de grãos para exportação. O investimento é de R$ 500 milhões:
– O governo precisa dar condições para a iniciativa privada investir nas áreas em que não consegue, como em logística.
O modal ferroviário poderia ser melhor explorado principalmente no transporte de grãos, defende Vianna. Hoje, só 20% da soja gaúcha exportada chega ao porto de Rio Grande por meio de trens. A estimativa é de que o Estado tem potencial para aumentar essa participação para 50%. Quanto às hidrovias gaúchas, Vianna pondera que algumas não fecham a conta, sendo pouco competitivas, como a de Cachoeira do Sul – dificultando a atração de investidores.
5. Vontade política e planejamento estratégico
Os agricultores familiares, que dominam a produção de leite, aves e suínos, foram atingidos em cheio pela greve dos caminhoneiros. O modelo de produção intensiva, com coletas diárias e entrega de insumos semanais, faz com que o setor seja totalmente dependente de caminhões. No Estado, 51 milhões de litros de leite foram jogados fora, gerando prejuízo próximo de R$ 58 milhões.
– Hoje, essas atividades estão ligadas a grandes conglomerados industriais, deixando os produtores sem alternativa – afirma Antoninho Rovaris, secretário de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
A situação poderia ter sido minimizada, indica o dirigente, se houvesse uma política eficiente voltada à logística.
– Existem ferrovias inacabadas desde a década de 1980. Se não houver interesse político em mudar o quadro atual, a situação só irá piorar, já que a produção agropecuária continuará crescendo – avalia Rovaris.
A mudança só ocorrerá com decisão política e posterior planejamento estratégico, de médio e longo prazos, diz:
– Enquanto o Brasil continuar protegendo monopólios internacionais, de fabricantes de pneus e caminhões, por exemplo, continuaremos nessa situação. A agricultura é refém desse cenário, que só mudará com pressão popular.