O filme que revelou o talento do diretor Steven Spielberg para o mundo mostra o duelo entre um caminhão-tanque e um automóvel numa estrada desértica dos Estados Unidos, com longos trechos cercados por paredões. É terror puro. Duel, traduzido no Brasil para Encurralado, está centrado no desespero de David (Dennis Weaver), um executivo que se dirigia para uma reunião de negócios e passa a ser perseguido pelo caminhão assassino supostamente apenas por tê-lo ultrapassado. Durante a perseguição, o caminhoneiro jamais sai do veículo e nunca mostra o rosto, de modo que o vilão da história passa a ser mesmo a jamanta enferrujada que desenvolve grande velocidade e avança sobre qualquer obstáculo, com o propósito explícito de esmagar sua vítima. Vi esse filme na década de 70 e o efeito pesadelo nunca mais me abandonou. Toda vez que estou dirigindo e vejo um caminhão se aproximar pelo retrovisor, me lembro dele.
Pois, no último domingo, percorri os 150 quilômetros entre Santa Cruz e Porto Alegre sem ultrapassar ou ser ultrapassado por um único caminhão em movimento. Todos estavam parados na beira da estrada. Ainda assim, como dizem os jogadores de futebol, passou um filme na minha cabeça. Aquele filme. Não pude deixar de pensar que quem estava encurralado naquele momento era o país. O governo também, é verdade, esse governo que já acabou e continua nos assombrando como um zumbi. Mas, junto com ele, ficamos igualmente embretados os milhões de brasileiros atingidos pelo desabastecimento, pela falta de combustível, pela ausência de transporte para os deslocamentos obrigatórios, pela escassez de medicamentos e alimentos, pela destruição de atividades econômicas essenciais. Spielberg não teria imaginado algo tão pavoroso.
E desta vez não havia um psicopata sem rosto na boleia do caminhão. Estavam lá, num protesto reconhecidamente justificado e apoiado por grande parte da população, trabalhadores sufocados pelas elevações diárias no preço dos combustíveis. Não era uma manifestação política, era uma mobilização por sobrevivência. De outra parte, os reajustes frequentes do diesel e da gasolina também não decorrem apenas da ganância, mas, principalmente, da cotação internacional do petróleo e do esforço da Petrobras para se recuperar do monumental saque de que tem sido vítima nos últimos anos. Como no filme, parece mesmo tormento sem fim: crise econômica, câmbio desfavorável, governo incompetente, desemprego, falta de perspectiva política, roubalheira continuada, insegurança, medo, desabastecimento, revolta e crescente simpatia de parte da população pela miragem autoritária.
Encurralado pela corrupção e pelo desgoverno, o Brasil busca desesperadamente uma saída – como o apavorado motorista do filme. Spielberg conseguiu livrar seu personagem do pior, nos acréscimos do segundo tempo. Mas foi tamanho o sofrimento, que o pesadelo tornou-se recorrente. Com os atuais condutores na direção do país, logo aparecerá outro caminhão no nosso retrovisor. Socorro!