Ouvi na fila da Mega Sena, mas a frase pronunciada pelo homem de boné cinza, em tom de desabafo, poderia ser ouvida em qualquer lugar deste país, porque já se tornou uma campeã de audiência:
– Eu odeio política!
Ele falava com uma senhora sorridente, que concordava balançando a cabeça enquanto também aguardava a sua vez de tentar a sorte nos números. Voltei-me instintivamente para os dois e cheguei a abrir a boca para falar, mas me contive. Pensei em dizer:
– Odeiem políticos, mas não a política.
Ainda bem que me calei. No mínimo, ouviria algum desaforo e talvez até fosse vaiado pelo restante da fila, pois as pessoas estão cada vez menos tolerantes com ideias contrárias às suas. Além disso, melhor não incentivar o ódio a ninguém. Já existe raivosidade demasiada por aí, tanto no mundo real quanto – e principalmente – no virtual. As redes antissociais não me deixam mentir.
Mas só estamos assim, irascíveis, porque política virou sinônimo de corrupção, falcatrua, vigarice e tantos pejorativos mais que se queira acrescentar. Culpa de quem? Antes de uma resposta precipitada, ouçamos Brecht, ou seja lá quem tenha escrito o célebre texto sobre analfabetismo político:
"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro, que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nascem a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais".
Pegou pesado o escriba. Mas a prática comprova a teoria. Agora mesmo, milhões de eleitores venezuelanos deixaram de comparecer às urnas e o governante que muitos rejeitam acabou sendo reeleito pelos poucos que votaram. A omissão, decididamente, não é o melhor caminho.
Por isso, proponho aos enfarados da atual política que criemos um novo partido. Sei, parece uma proposta paradoxal e absurda. O Brasil tem 35 partidos registrados na Justiça Eleitoral e mais de 50 na fila do registro e dos recursos do fundo partidário. Quase igual à da Mega Sena, que, pelo menos, é uma ilusão voluntária.
Nosso partido – se alguns pacientes leitores me concederem a honra da adesão – será informal, mas terá um nome moderninho para evitar a conotação infamante das siglas tradicionais, como, aliás, também estão fazendo espertamente antigas agremiações. Estou lançando o Não Queremos, já com um esboço de plataforma para apreciação dos interessados:
Não queremos corruptos em cargos públicos nem corruptores mamando no poder. Não queremos conspiradores nem impostores. Não queremos adesistas nem vigaristas. Não queremos autoridades autoritárias nem mulas involuntárias. Não queremos salvadores da pátria nem puxa-sacos com malas de propina. Não queremos... Não queremos nos omitir.