Enganam-se os que imaginam a bem-sucedida greve dos caminhoneiros como mera ação de um bando de motoristas radicalizados em piquetes e que apedrejam os que furam barreiras nas estradas. Essa é a ponta mais visível do movimento, mas dois outros setores do transporte - tão ou mais importantes que esses donos de caminhão - ajudam a encorpar a mobilização, que começa a paralisar a economia brasileira.
Um deles é o dos sindicatos e associações da categoria. Essas entidades de classe tiveram postura moderada no início, mas foram empurradas para a greve pelos caminhoneiros independentes, muitos deles sequer vinculados a qualquer entidade. A Federação dos Caminhoneiros Autônomos do RS (Fecam), que reúne 12 sindicatos, é exemplo disso. O presidente André Costa estava indeciso sobre aderir ou não à paralisação proposta pela Associação Brasileira de Caminhoneiros (ABCam) - entidade nacional, que já estava a reboque dos caminhoneiros mais indignados. Ela representa 500 mil donos de veículos de carga.
A Fecam marcou encontro para discutir o assunto na segunda-feira ao meio-dia e foi surpreendida, antes da reunião, pelo início das paralisações no Rio Grande do Sul, na madrugada daquele mesmo dia. Pressionados pelas bases, os sindicatos ligados à entidade resolveram aderir à greve e, hoje, defendem que os caminhoneiros fiquem parados. Mas sem fazer barreiras e muito menos jogar pedras nos motoristas que tentam passar pela estrada, ressalta André Costa.
- Fomos nós que lançamos a campanha "Cruzem os braços, caminhoneiros". Mas greves não valem uma vida. Tem de chegar combustível na cidade, nem que seja para um posto. Leite não pode ser jogado fora, ave transportada de caminhão não pode estragar. É preciso bom senso, por isso não estimulamos barreiras - ressalva Costa.
A verdade é que a ponta de lança das mobilizações não é feita pelos sindicatos, mas por autênticos autônomos, até sem filiação sindical. É deles a iniciativa dos piquetes. Os mais exaltados acabam quebrando para-brisas dos colegas que furam a greve. GaúchaZH falou com três desses "líderes espontâneos", que brotam em conversas nos pátios dos postos de gasolina e se projetam ao conclamar, por WhatsApp, todos os motoristas a se unirem. Eles desconfiam das lideranças sindicais, reclamam dos baixos valores de frete pagos pelas empresas e dizem que são, ao final, os maiores prejudicados - por isso tomaram a frente da greve. Um deles salienta que faz apenas 1,5 quilômetro com um litro de óleo diesel e o preço desse combustível subiu 60% desde julho de 2017.
- Com aumentos várias vezes por semana, terei de largar a profissão. Não sei mais o que fazer - afirma.
No desespero, os autônomos conseguiram apoio formal dos sindicatos e simpatia das empresas.
Basta ver as notas oficiais da Associação Nacional dos Transportadores de Carga (ANTC) - que responde por 6 milhões de empregos no país - e seus apoiadores nos Estados, como o Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no RS (Setcergs). Documento assinado nesta quarta-feira pelo presidente do Setcergs, José Hélio Fernandes, recomenda que as empresas avaliem com precaução a possibilidade de manter sua frota em suas garagens até que haja a segurança necessária para seguir viagem, sob risco de não obterem cobertura securitária para suas cargas.
Fernandes diz que aconselhou isso para que as empresas preservem seu patrimônio e a segurança de seus funcionários e mercadorias.
A nota do Setcergs mostra "respeito às manifestações pacíficas promovidas por motoristas autônomos que protestam contra a desordem econômica que está destruindo um setor estratégico para o desenvolvimento de nosso país: a matriz do transporte de mercadorias".
Fernandes vai além e escreve a respeito dos sucessivos aumentos de combustíveis: "Nem mesmo no auge da hiperinflação da década de 80 se viu algo parecido. Essa prática pode até atender aos interesses da Petrobras e de seus acionistas, mas impõe grandes sacrifícios às pessoas e às famílias".
Ou seja: mesmo com todo cuidado nas palavras para evitar de serem acusadas de locaute (greve patronal), as empresas mandaram retirar os caminhões das estradas. E colocaram o governo num brete, acossado pelos caminhoneiros autônomos na ponta.