As manifestações de caminhoneiros em pelo menos 14 municípios gaúchos, com bloqueio de rodovias em metade deles, utilizaram o WhatsApp como arma-padrão. Grupos de motoristas que se conhecem de postos de gasolina onde costumam ficar à espera de frete foram os grandes impulsionadores da paralisação. À revelia de sindicatos e associações de classe, enfatiza Bruno Tagliari, um dos defensores da paralisação, que ajudou a organizar o protesto em São Luiz Gonzaga (região das Missões).
— A Federação dos Caminhoneiros Autônomos (Fecam, que congrega 12 sindicatos no Rio Grande do Sul) nunca nos ajudou muito. Resolvemos agir por nossa conta, mesmo. Fizemos um trabalho de conscientização e pelo menos 40 carretas pararam no trevo de São Luiz, na BR-285 — relata Tagliari.
A verdade é que os sindicatos, que tinham reunião no final da manhã desta segunda-feira para decidir como agir, foram atropelados pelas bases. Foi decisivo para mobilizar os motoristas autônomos um apelo da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (ABCam), que pregou greve geral da categoria a partir desta segunda-feira (21). A entidade reúne cerca de 600 mil associados, de um total de 1 milhão de caminhoneiros autônomos no país.
Foram registradas paralisações em São Sebastião do Caí, Sapucaia do Sul, Novo Hamburgo, Três Cachoeiras, Taquara, Viamão, Santo Antônio da Patrulha, Camaquã, Pelotas, Jaguarão, Júlio de Castilhos, São Sepé, Ijuí e São Luiz Gonzaga. Nos quatro primeiros municípios a greve foi deflagrada com bloqueios, que impediram os não-grevistas de trafegar.
O autônomo e não sindicalizado Fernando Gonçalves é um dos que ajudou a fazer bloqueios em Novo Hamburgo. Foram três paradas no tráfego da BR-116: uma de 15 minutos, outra de cinco minutos e outra de 10 minutos. Todas com intervalo de uma hora para que o tráfego fluísse, até a nova paralisação. Só caminhões foram impedidos de prosseguir. Ônibus, carros e motos tiveram permissão para seguir. Centenas de caminhões ficaram parados, a cada vez, já que a rodovia é a de maior movimento no RS.
— É um ato de desespero. Somos uma das classes que mais trabalha e estamos rumo à falência — justifica Gonçalves, que não é ligado a sindicato ou associação de classe.
Ele é dono de uma carreta que carrega 28 toneladas e diz que combinou a parada com parceiros, por WhatsApp e reforço no telefone. Pediu e conseguiu ajuda de caçambeiros (motoristas de caminhões urbanos).
Tagliari, que ajudou a organizar a paralisação em São Luiz Gonzaga, tem uma carreta bitrem que movimenta 60 toneladas. O consumo, segundo ele, é de 1,6 km/litro de óleo diesel.
—Tu imagina quando tenho de descarregar soja no porto de Rio Grande, quanto gasto? Ou baixa o preço dos combustíveis ou vamos falir, aos milhares — sintetiza.
Tagliari diz que a greve já é um sucesso, mesmo não sacramentada pelos sindicatos. Isso porque muitas empresas dão apoio, não assinando os manifestos de carga (autorização para carregar). Com isso, enfatiza ele, está quase parado o transporte para regiões vitais, como o porto de Rio Grande.
Empresas pressionam por melhor frete
O Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), que congrega as empresas transportadoras, manifestou apoio às reivindicações dos autônomos, mesmo que de forma indireta. Em nota oficial, a entidade fala em "indignação com a atual política de preços dos combustíveis e com a postura do governo, inerte e passivo diante desse caos".
A recomendação é para que as empresas de transporte aumentem instantaneamente seus preços toda vez que houver aumento do diesel. A justificativa: prestar serviços com prejuízo significará desequilíbrio financeiro e, consequentemente, sua quebra. "Nessa situação, é preferível desativar parte da frota até que haja reajustes nos preços dos fretes que acompanhem o aumento do diesel", conclui a nota. Aqui, a a íntegra da nota do Setcergs:
O paradoxo do livre mercado e o monopólio da venda de combustíveis
Vivemos em um país em que vigora o regime de livre concorrência, um dos pilares da economia de mercado e um dos fundamentos aplicados pela economia globalizada.
A política atual de preços dos combustíveis imposta pela Petrobras tem sido justificada pela necessidade de acompanhar a evolução dos preços internacionais desses commodities. Essa política está dando certo sob o ponto de vista de trazer resultados bilionários a essa estatal que pretende, inclusive, voltar a distribuir dividendos a seus acionistas, algo que não acontece há tempos. Tal política estaria correta se não houvesse o que chamamos de monopólio, que é a inexistência de algo que conhecemos como livre concorrência. Sem esta, quem detém o monopólio dita os aumentos de preços, ignorando leis de mercado e suas consequências a empresas que utilizam o combustível como insumo principal em seus negócios, como é o caso das transportadoras de cargas.
No passado, o monopólio da venda de combustíveis era justificado por seus criadores como algo necessário para dar equilíbrio à economia brasileira, extremamente dependente desses commodities por seu peso elevado no cálculo da inflação e, portanto, na vida dos brasileiros. Ocorre que estamos convivendo com uma situação em que a Petrobras, senhora desse monopólio, pretende cobrar da sociedade brasileira a conta por anos de má gestão e corrupção por demais conhecidas. Essa política desastrosa está causando danos irreparáveis às empresas que, por sua vez, e ao contrário da Petrobras, atuam em um mercado perfeito em que prevalece a lei da oferta e da procura, e que, por isso mesmo, não têm o poder de, a cada 24 horas, aumentar seus preços porque estão amarradas pela forte concorrência, pela retração da economia ou por contratos anuais. A continuar essa política absurda, veremos a Petrobras gerando resultados fantásticos, pagando sua dívida fraudulenta, distribuindo dividendos maravilhosos e, em contrapartida, teremos o aumento da inflação, a quebradeira de milhares de empresas e o sumiço de milhões de empregos.
A história tem registrado que políticas desastrosas como essa foram fatores de aumentos na inflação que geram enormes crises econômicas e sociais que explicam o atraso de nosso país.
O SETCERGS – Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul - por ser uma entidade patronal, tem limitações de atuação muitas vezes não compreendidas, mas, diante do quadro caótico que se apresenta, vem a público demonstrar sua indignação com a atual política de preços dos combustíveis e com a postura do governo, inerte e passivo diante desse caos. Assim, a partir dessa situação imposta, recomenda que as empresas de transporte aumentem instantaneamente seus preços toda vez que houver aumento do diesel, e que atentem para o fato de que prestar serviços com prejuízo significará desequilíbrio financeiro e, consequentemente, sua quebra. Nessa situação, é preferível desativar parte da frota até que haja reajustes nos preços dos fretes que acompanhem o aumento do diesel.
A partir de hoje, e enquanto durar essa situação, informaremos, através de nosso site, os locais onde existem manifestações, e aconselhamos nossos associados a não transitarem por esses locais, prezando, assim, pela segurança de seus colaboradores, de suas cargas e de seu patrimônio.