A paralisação dos caminhoneiros e os bloqueios nas estradas aumentam a angústia de empresas e criadores de suínos, aves e gado de leite. Não conseguem receber alimento para os animais, nem escoar a produção, um impasse que gera prejuízos milionários diários e desespero nas propriedades, com o início da mortandade dos animais. A Naturovos, de Salvador do Sul, resolveu adotar uma atitude extrema. Temendo a morte das aves, começou nesta terça-feira (29) a doar parte das galinhas que estão nas propriedades de produtores integrados. Até 150 mil serão distribuídas em Salvador do Sul, Tupandi e Barão. Os endereços dos locais de doação estão no site da empresa.
— Não há alimento, então vamos doar para a comunidade as aves que estão mais em final de vida e preservar as mais novas. Para não deixar que elas morram de fome, sofrendo mais — diz o diretor e proprietário da empresa, João Carlos Müller.
Nas propriedades rurais, criadores também mostram preocupação. Em Marques de Souza, no Vale do Taquari, o suinocultor Lucas Wessel se revolta com a situação. Ele tem cerca de 1,7 mil animais na propriedade, que deveriam ter sido carregados nos últimos dias. Com a greve nos transportes, seguem nos chiqueiros, sem alimento. Após quase uma semana sem ração, seis suínos morreram. O número tende a crescer. Outros, debilitados, deitaram. Não conseguem levantar e acabam machucados pelos outros porcos. Wessel mostra revolta com a situação:
— Acordo de noite com os porcos gritando de fome, brigando, se mordendo. É triste. Nem sei que prejuízo vou ter. Enquanto isso, tem manifestante no trevo da cidade fazendo churrasco e bebendo cerveja. Que crise é essa a deles? — questiona.
Aflito, Wessel tenta dar silagem para os suínos. Como não é o adequado, os animais passam mal. Sem receber ração da empresa em que é produtor integrado, nesta terça-feira teve de comprar 10 toneladas de farelo de milho. Duraria no máximo dois dias, mas tentará racionar, à espera de solução para a situação das estradas. Enquanto isso, os suínos seguirão ao menos perdendo peso, causando perdas ao produtor, que ganha com a engorda do lote.
Os últimos dias também têm sido de ansiedade para o produtor de frangos Erineu de Pizzol, de Dois Lajeados, na Serra. Ele cuida de um lote de 20 mil frangos e cerca de mil morreram por falta de comida. Normalmente, os animais consomem cerca de 3 toneladas de ração. Para evitar uma mortandade maior, Pizzol dá milho para as aves, mas apenas um terço da quantidade que seria necessária. Mesmo assim, um buraco na propriedade está aberto para o caso da necessidade de enterrar mais animais que possam sucumbir à falta do que comer.
— Os caminhões não chegam mais e os bichos estão com fome. O prejuízo já é de cerca de R$ 10 mil. A mortalidade, a perda de peso, de desempenho, é um prejuízo meu. É o meu trabalho sendo jogado fora — lastima Pizzol.
O presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs), Valdecir Folador, explica que a situação desorganiza toda a cadeia, formada por propriedades responsáveis pelas matrizes prenhes, criações dos leitoões e engorda. Sem mobilidade, os animais não podem transitar entre os criatórios especializados em casa fase. Sem ração, ficam com fome. E não podem ser levados para os frigoríficos.
— Ainda não aconteceu uma grande mortalidade, mas está no limite para acontecer. Já há canibalismo nas granjas — alerta Folador.
O quadro levou a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag) a retirar o apoio ao movimento dos caminhoneiros. A entidade alega que mais de 100 mil famílias no Estado que produzem leite, suínos, frango e hortigranjeiros estão perdendo renda.