Excluindo algumas poucas exceções, nenhum término de relacionamento costuma ser agradável para ambas as partes. Mas o fim de uma relação pode significar o início de novas oportunidades e experiências. É (também) por isso que recém solteiros costumam se jogar em festas, noitadas com os amigos e novos encontros. Mas e quando o término acontece em meio a uma pandemia e não é seguro sair de casa?
A situação, que já é difícil em condições normais de temperatura e pressão, fica ainda mais complicada neste contexto - seja você a pessoa que decidiu terminar ou a que foi informada da decisão. Pensando nisso, conversamos com a psicóloga Natália Vargas Filomeno e com leitoras que estão passando por um término agora para refletir sobre como aproveitar o tempo de confinamento da melhor forma possível neste momento.
Quero terminar, e agora?
Decidir colocar um ponto final em um namoro ou casamento é difícil em qualquer contexto. É uma escolha que necessariamente significa perder algo, então sempre é dolorido. Mas é importante entender que ninguém escolhe isso do nada, e sim a partir de conflitos graduais e de muita reflexão, pontua Natália.
Se o casal não mora junto, esse tempo de isolamento pode ser positivo para ajudar na tomada de decisão.
— Pensar em si, entender sua história de vida, o que faz bem e o que faz mal, é algo extremamente maduro na hora de fazer escolhas. Quanto mais claro estiver com os seus sentimentos, mais escolhas conscientes vai fazer — aponta a psicóloga.
Para a profissional, também é interessante pensar se esses conflitos podem ser conversados e negociados, a fim de formar novos acordos entre o casal. Isto é possível? Ou está insustentável?
Estamos vivendo um contexto completamente atípico e isso não vai - e nem pode - impedir ninguém de querer se separar. Mas o tempo de confinamento pode ser um importante aliado para analisar com mais cuidado a situação do relacionamento e tomar uma decisão que não seja motivo de arrependimento depois.
Terminaram comigo, e agora?
O tempo a mais sozinha pode ser, sim, benéfico neste momento, por mais que no início não pareça. Para a psicóloga, é importante entender que o processo de separação estimula o reajuste dos objetivos individuais e a reconstrução da vida. Então, use esse momento para entender o que faz sentido para você.
— Acredito que um tempo maior de elaboração dos sentimentos, ideias, dores e mágoas é fundamental para o amadurecimento dos fatos e para a acolhida de si, e pode abrir portas para uma boa conexão consigo — reflete ela.
Mesmo em casa, é possível encontrar o que traga prazer. Resgate velhos hábitos que se perderam por falta de tempo: termine aquele livro que ficou inacabado na estante, assista à sua série favorita, faça aquela receita gostosa. E não deixe sua rede de apoio de lado: mesmo virtual, esse contato é importante neste novo estágio da vida.
No processo de autocuidado e "superação", perceba o que faz bem e quais são suas necessidades emocionais, indica Natália. Isso vai ser fundamental na busca de sentido dessa nova fase. Se necessário, procure ajuda profissional para conversar sobre os seus sentimentos - muitos psicólogos estão atendendo de maneira remota.
O que elas dizem
"No início, foi bem difícil, porque eu tinha na minha cabeça que, após um término, há várias festas e pessoas novas para me relacionar. Baixei e apaguei todos os aplicativos de 'namoro' possíveis. Queria tirar o término da minha cabeça, e não sabia como fazer isso de outra forma.
No fim, acho que a quarentena está sendo ótima para fazer com que eu olhe mais para mim depois de tudo. No fim de qualquer relacionamento, não existe só um culpado, e agora estou olhando para tudo o que passou e analisando quais atitudes eu gostaria que tivessem sido diferentes, minhas e dele. Se eu tivesse apenas voltado a sair e agido como se o relacionamento nunca tivesse existido, acho que estaria apenas empurrando com a barriga os problemas, que surgiriam de novo com outra pessoa no futuro.
Agora, estou analisando o que é essencial para mim em um parceiro e o que realmente espero ter em um relacionamento com alguém. Percebi que estou em um momento da vida em que o melhor é ficar sozinha e me conhecer – e agora tenho todo o tempo do mundo para isso, para pensar nas minhas vontades, nos meus sonhos, sem me preocupar com uma outra pessoa, as vontades dela e como as coisas se encaixariam e funcionariam. Me sinto livre para ser e me desenvolver como eu quiser, no meu tempo, da minha maneira.
Então, na minha opinião, a quarentena foi, na verdade, o melhor momento para terminar um namoro. Se estivesse de quarentena com ele, provavelmente ele estaria tomando todo o meu tempo. Agora, estou desenvolvendo novos projetos profissionais e tirando um tempo pra mim – experimentando novas receitas, assistindo a séries e filmes que ele nunca assistiria comigo, lendo livros etc.
Se não tivéssemos entrado de quarentena, nunca teria tomado essa decisão. Meu namorado era uma pessoa legal e nos divertíamos muito juntos, então acho que se não tivéssemos sido obrigados a nos separar por tanto tempo (afinal, foi um mês sem qualquer tipo de conversa), nunca teria me afastado dele o suficiente para perceber os problemas do nosso relacionamento. Acho que, às vezes, precisamos tomar uma distância da situação para ver as coisas com mais imparcialidade, e a verdade é que o relacionamento não estava indo bem e isso nunca ficaria explícito da maneira como ficou pra mim se não tivéssemos passado um mês inteiro sem conversar ou se encontrar."
Estudante de Direito, 20 anos
"Em maio, fez sete anos que estávamos juntos. Em março, uns 15 dias antes do início da quarentena, ele viajou e já começamos a experienciar um relacionamento a distância. Então já tínhamos um desafio e, com a pandemia, foi impossível ir vê-lo em outro estado. Não conseguimos dedicar a atenção necessária para o relacionamento, e, com a distância, não estava dando certo.
A iniciativa de terminar foi dele. Por mais que eu não estivesse satisfeita, ainda tinha uma postura de tentar solucionar, mas acabamos conversando e resolvendo da forma mais tranquila possível. Pós-término acabei percebendo que fiquei melhor, mais leve e, de certa forma, livre.
Não dá para dizer que não poder sair torna o processo mais fácil, né? Mas não está sendo muito difícil. Nos primeiros dias, em alguns momentos, dava uma sensação de 'falta', do contato diário etc. Mas o momento também facilita por estarmos mais conectadas com nós mesmas, ouvindo nossos sentimentos e aprendendo a respeitar cada um deles."
Estudante de Medicina Veterinária, 23 anos