Criatividade, cuidado, dedicação e autenticidade. São algumas das palavras que resumem o dia a dia de quem trabalha em cozinhas profissionais. Muito mais do que servir um prato bem feito, cozinhar exige pesquisa, conhecimento e respeito com o alimento. Chefs, cozinheiros e cozinheiras fazem a gastronomia da cidade girar, são eles os responsáveis por nos surpreender a cada garfada, nos apresentar sabores novos e por nos levar às nossas melhores memórias afetivas através da comida.
Como forma de homenagear quem está do outro lado do balcão todos os dias, na última edição comemorativa dos 15 anos do Destemperados, convidamos Vinícius Gomes, Marcelo Schambeck e Carlos Kristensen, chefs que apostam na cozinha autoral e valorizam a gastronomia local, para responder perguntas sobre suas carreiras. Mesmo que cada um tenha a própria assinatura, todos se conectam à mesma paixão de criar experiências únicas através da comida.
VINÍCIUS GOMES
Cozinheiro desde os 18 anos e formado em gastronomia pelo SENAC, Vinícius Gomes acumulou experiências trabalhando em diversos restaurantes conhecidos em Porto Alegre e até em alguns estrelados de Dublin e Londres.
Hoje, o chef comanda a cozinha do Wine Bar do Armazém dos Importados, na capital gaúcha. Por lá, ele usa e abusa de técnicas da alta gastronomia, mas, ao mesmo tempo, com muita simplicidade, sem ser pretensiosa. O menu de Vinícius oferece pratos cheios de texturas e de sabores surpreendentes.
Qual foi o seu primeiro contato com a cozinha?
Na adolescência tive meu contato maior entre a volta do colégio até a chegada do meu pai em casa. Por necessidade, aos poucos comecei a me aventurar na cozinha, fazendo algo no forno, encarando o fogão, fazendo alguma fritura e reproduzindo pratos. Era incrível a sensação quando saia como o planejado.
Como você define sua cozinha?
Difícil responder. Acredito que a minha cozinha não se encaixe em um conceito pré-determinado. Eu busco trazer elementos afetivos, junto a bons insumos e técnicas que possam enaltecer. E, principalmente, algo que eu goste de comer. Isso é imprescindível para me manter criativo e motivado. A cozinha é a minha forma de expressão, eu sirvo o que eu sou.
Como você vê a evolução da gastronomia em Porto Alegre?
Trabalho profissionalmente desde 2008. Nesses quase 15 anos, eu percebi dois movimentos maiores de evolução. Pouco depois de começar profissionalmente, houve o boom da gastronomia no Brasil por conta dos programas de TV. De alguns anos para cá, tem um interesse cada vez maior e um olhar mais crítico do público em geral, além de profissionais da área abrindo mais estabelecimentos.
Qual você acredita ser o principal desafio em manter uma cozinha autoral?
Se manter fiel às minhas convicções. Porto Alegre ainda está em evolução a respeito de experiência e da alimentação, por isso, parte do público é um pouco resistente em provar algo que não está acostumado. Poder mudar isso de uma forma positiva é o maior desafio.
Por onde começa o seu processo de criação de um prato novo?
Geralmente, começo pelo ingrediente principal ou por algum preparo em específico. A partir desse ponto, faço associações de sabores e de texturas que eu acredito que combinam e que me agradam. A estação e meus fornecedores também auxiliam nesse processo.
O que mais dá prazer na cozinha?
Cozinhar para as pessoas que eu gosto e que gostam de comer. E, dentro do dia a dia de um restaurante, ver a evolução dos pratos. Sempre há espaço para aprimorar.
O que não pode faltar na sua cozinha de jeito nenhum?
Ovo, arroz e manteiga.
Qual o seu prato favorito, o que remete às melhores memórias afetivas?
Arroz com alguma coisa, como carreteiro. Foi o primeiro prato completo que aprendi com meu pai. Ele sempre fez “comidas de uma panela” e variava o arroz com alguma proteína, o que eu amo.
MARCELO SCHAMBECK
Gastronomia sulista e consciente. Esse é o lema que permeia a cozinha de Marcelo Schambeck, um dos grandes nomes da gastronomia gaúcha. O chef abriu seu primeiro negócio, o Del Barbiere, em 2007. Aos poucos, tornou-se um bistrô disputado, com menu à base de produtos frescos, artesanais e orgânicos.
Em 2017, foi eleito Chef do Ano em Porto Alegre, pela Revista Veja. No ano seguinte, fechou as portas do primeiro restaurante e inaugurou o Capincho, que oferece um menu com referências gaúchas e da Argentina e do Uruguai. A proposta é celebrar os ingredientes locais e a criatividade na cozinha, misturando técnica, pesquisa e memória.
Qual foi o seu primeiro contato com a cozinha?
Com a comida feita pela minha mãe e minha avó materna. Tanto na casa dos meus pais quanto da minha avó, tinha horta. Foi o contato mais marcante com o alimento fresco que, hoje, tento levar para dentro das minhas cozinhas. As idas às feiras locais na infância também refletem muito na minha gastronomia.
Como você define sua cozinha?
Sulista. Nossa cozinha é focada em usar ingredientes regionais, técnicas modernas e inspiradas na troca de culturas entre Brasil, Argentina e Uruguai. Tudo feito com um olhar atualizado, cosmopolita e urbano.
Como você vê a evolução da gastronomia em Porto Alegre?
Estou completando a maioridade na gastronomia, já são 18 anos de cozinha. No decorrer desse tempo, é nítida a evolução, tanto dos restaurantes e profissionais quanto dos clientes. O número de canais de informações voltados à gastronomia é gigante.
Qual você acredita ser o principal desafio em manter uma cozinha autoral em Porto Alegre?
Os restaurantes autorais com mais destaque no mundo, normalmente, estão em cidades com grande foco no turismo. Acho que o fato de Porto Alegre não ter esse perfil dificulta um pouco. Mas, fico muito feliz de ver o porto-alegrense bastante interessado, prestigiando e consumindo a nossa gastronomia autoral.
Por onde começa o seu processo de criação de um prato novo?
Sempre a partir da vontade de surpreender o paladar com combinações. A partir disso, vou atrás dos ingredientes.
O que mais dá prazer na cozinha?
No dia a dia, um pré-preparo bem feito. Tudo pronto, limpo e organizado para começar o serviço. A nossa equipe, entre muitas qualidades, faz isso muito bem! Outro prazer é ver os clientes se surpreenderem quando os pratos chegam à mesa. Ver a reação deles na hora de provar.
O que não pode faltar na sua cozinha de jeito nenhum?
Manteiga e organização.
Qual o seu prato favorito, o que remete às melhores memórias afetivas?
Picadinho com quiabo, prato que me remete aos bons momentos em família
CARLOS KRISTENSEN
Um dos principais nomes da gastronomia do sul do país, Carlos Kristensen mantém há quase 30 anos uma carreira que acumula inúmeros prêmios, entre eles o de Chef Revelação (2008) e o de Chef do Ano (2009, 2010, 2011, 2013, 2015 e 2018) pela Revista Veja.
Mas, antes de ser um dos grandes cozinheiros do Estado, é um incansável defensor e pesquisador da culinária gaúcha. Em sua cozinha, valoriza ingredientes locais, com destaque ao fogo, fomentando sempre o trabalho dos pequenos produtores e levantando o debate sobre as origens do que é colocado à mesa. Em seu restaurante Hashi, o chef reforça as suas crenças em pratos autorais com toques contemporâneos.
Qual foi o seu primeiro contato com a cozinha?
Meu pai sempre foi o cozinheiro da casa e fazia nhoque, massas, pão caseiro, uma comida bem italiana. Eu lembro de bem pequeno, com quatro ou cinco anos, ficar com ele na cozinha, acompanhando esse processo.
Como você define sua cozinha hoje?
Eu não gosto de rótulos. É uma cozinha autoral, criativa, livre de amarras e conceitos. Uma cozinha muito madura, consciente do papel que ocupa, da importância econômica, social e até política, pelas nossas escolhas de ingredientes, de trabalhar com os pequenos produtores há muito tempo, fomos um dos precursores desse trabalho. É uma cozinha que, acima de tudo, busca gerar novas experiências. Uma cozinha que conta sua história através dos ingredientes.
Como você vê a evolução da gastronomia em Porto Alegre?
Porto Alegre sempre teve uma relação com a gastronomia de altos e baixos, fases em que tivemos grandes restaurantes e outras com um cenário mais limitado. Nesse momento pós-pandemia, muita novidade surgiu, formatos diferentes e mais simplificados. Tem muita coisa bacana, para todos os gostos e bolsos. A relação das pessoas com a gastronomia também vem mudando bastante, comer fora e se reunir em um restaurante faz cada vez mais parte dos encontros. Tudo isso tem feito o mercado entender a gastronomia, valorizando o que é seu, o que está mais próximo, valorizando os estabelecimentos da cidade e, principalmente, frequentando esses lugares.
Qual você acredita ser o principal desafio em manter uma cozinha autoral em Porto Alegre?
É a necessidade de se reinventar o tempo todo. Pegar o que já existe e tentar fazer de uma forma diferente, levar sempre uma experiência nova, um sabor novo, um ingrediente, uma textura. É um trabalho incessante de pesquisa, de testes. Não parar de se desenvolver é o que faz com que a gente consiga trazer novidades para o mercado, encantar pessoas com coisas que elas até conhecem, mas nunca comeram dessa forma.
Por onde começa o seu processo de criação de um prato novo?
É uma série de etapas. Nossa cozinha começa no campo, no mar, no pequeno produtor, com o que temos disponível naquele mês. É isso que faz a base do nosso cardápio. O prato ser gostoso é básico, nunca o objetivo. No momento em que isso for o meu objetivo, eu não fiz o meu trabalho. Para mim, o mais importante é ser um prato consciente, que tenha um por que, uma responsabilidade com o insumo, que fomente o pequeno produtor. Tem que ter história, conceito.
O que mais dá prazer na cozinha?
Um serviço de uma noite bem feita me dá um prazer imenso. Um prato novo que funciona superbem, que é bem aceito, entendido e valorizado pelo cliente. Os pratos vazios que voltam da mesa. Uma noite perfeita envolve todos esses requisitos. Eventualmente, um cliente entra na cozinha e elogia. São as pequenas coisas que fazem o prazer de ser cozinheiro.
O que não pode faltar na sua cozinha de jeito nenhum?
Não é um ingrediente, isso a gente sempre pode substituir. Mas o que não pode faltar é alegria. É o principal ponto que me move na minha profissão. Alegria de estar cozinhando para alguém, de estar servindo, puxando o melhor da nossa equipe. Essa sensação não pode faltar.
Qual o seu prato favorito, o que remete às melhores memórias afetivas?
Tenho momentos que gosto mais de um prato do que de outro. No inverno, prefiro comer massas e gratinados. Em dias mais quentes, eu gosto muito de peixe cru, para além do sushi. Não tenho um prato favorito, há ingredientes que mexem muito comigo. Um creme de milho, por exemplo, me traz lembranças e conforto. O milho é um ingrediente que mais me remete às memórias afetivas
Selecionamos restaurantes de Porto Alegre que contam com cardápios assinados por chefs e cozinheiros que nos inspiram
MANDARINIER
Liliana Andriola, além de mandar muito bem na confeitaria, é, ao lado do marido, Leonardo Magni, proprietária do Mandarinier, um pequeno restaurante no bairro Cidade Baixa. Durante a semana, eles oferecem menus autorais no almoço. Enquanto Leo cuida dos pratos salgados, Lili fica com as sobremesas. Os menus são sempre sazonais, portanto, preparados com ingredientes frescos e de pequenos produtores locais. É um lugar para ir sem pressa e prestar atenção em cada detalhe, da decoração aos sabores.
Rua Alberto Torres, 228, no bairro Cidade Baixa
@mandarinier
A CASA
O pequeno espaço com mesas compartilhadas e grandes janelões nos convida para uma experiência criativa e muito saborosa. O chef Ricardo Dornelles, que usa técnicas da alta gastronomia para transformar petiscos em pratos incríveis no Firma, bar do Centro de Porto Alegre, agora, propõe um passeio pelas nossas memórias afetivas. No menu-degustação de oito etapas, provamos releituras de clássicos da cozinha gaúcha, como o Farroupilha, sanduíche que foi incrementado com pato defumado e mostarda de laranja, e o bolo de bergamota, que ganhou uma ganache de chocolate branco e erva-mate.
No CAV — Comer, Amar e Viajar (Rua Jari, 539), no bairro Passo d’Areia
@acasapoa
SOLOS
O novo restaurante de Porto Alegre tem como objetivo reconectar nós, brasileiros e porto-alegrenses, com as nossas raízes latino-americanas. Da cozinha do chef Gustavo Nichterwitz, saem pratos que nos levam para essa viagem gastronômica por sabores e aromas. O menu é enxuto, mas muito bem detalhado, deixando à mostra a complexidade e a riqueza das receitas. Um dos destaques é o Atum em Patacones: discos de banana da terra frita com tartar agridoce de atum, creme azedo e coentro.
Rua Felipe Neri, 81, no bairro Auxiliadora
@solos.poa