Dia desses a gente precisou se readaptar praticamente a tudo nessa vida. Do dia a dia aos sonhos, os gestos, os desejos e os anseios. Tudo o que estava programado, de certa forma, precisou ser repensado, reorganizado, reformulado. No Sud, o pássaro verde, meu restaurante no Rio de Janeiro, fomos obrigados a mudar toda a travessia no meio do oceano. De um dia para o outro, toda a nossa operação mudou da água para vinho.
Eu, que tinha o maior preconceito com a palavra delivery – quem, eu? Mandar a minha comida dentro de uma quentinha na garupa de uma moto sacolejando pela cidade? Nem pensar, – de repente me vi imaginando maneiras de fazer a comida sair e chegar o mais íntegra possível dentro de uma quentinha.
Na verdade, eu percebi que a quentinha era uma espécie de tábua de salvação. Uma oportunidade de continuar exercendo nosso ofício, de não parar, de não desistir. As quentinhas de repente se tornaram nossos pratos. Um quadro vazio à espera de uma colherada. Desde o início, mantive a utopia – esta é uma das minhas características inegociáveis na vida, não perder de vista a tal utopia – de acreditar que seria possível reinventar esta possibilidade, sem inventar muita moda. Uma cozinha fresca, franca, artesanal e orgulhosa dos seus ingredientes, dos pequenos produtores, do mar e do pescador.
Eu tenho uma frase que me define há anos e que, hoje em dia, para a minha alegria, é repetida mundo afora por inúmeros cozinheiros: “o meu mise en place não começa na cozinha, começa no quintal do meu produtor”. Outra que eu adoro ter dito é: “quem decide o menu aqui não sou eu, é a natureza. É o mar, é o pescador”. Pois bem, dito isso, um belo dia nosso querido pescador, o Plínio, ligou e disse: “chef, tem lagosta viva”. Eu não pestanejei um minuto sequer, apenas disse: “eu quero”. Tirei fotos lindas, divulguei, vendemos tudo!
Uma grande amiga me mandou uma mensagem: “só você mesmo, Sud. Colocar uma lagosta numa quentinha”. Pensei, ué, Salvador Dalí foi muito mais ousado!