Do lado de fora, um baixista com chapéu de bobo da corte e montado em pernas de pau esbanja talento dedilhando as cordas, enquanto o guitarrista de cabelo black-power faz solos à la Jimi Hendrix. Os dois tocam junto a uma Kombi velha, pintada em cores psicodélicas, bem no espírito do local, a calçada em frente ao ginásio onde se desenrola a 11ª edição do Morrostock. Recolhem contribuições para uma viagem ao mundo, bem no espírito neohippie do festival. Parecem não ligar para o frio de 5ºC e o ventinho enregelante que sopra do Guaíba.
Muita gente enfrentou o Minuano no sábado (16) para conferir o festival que ecoa em terras rio-grandenses os valores de Woodstock — aqueles dias de paz, música amor e desejos de um mundo justo, solidário e igualitário. Desta vez o Morrostock — nascido no Morro Ferrabraz (em Sapiranga), há 11 anos — fez sua estreia em Porto Alegre. Na realidade, uma experimentação.
Ao contrário das edições anteriores, realizadas em lugares campestres e nas proximidades de balneários, a versão porto-alegrense do Morrostock foi completamente urbana — a começar pela escolha do local, o Pepsi On Stage, tradicional casa de espetáculos próxima ao aeroporto Salgado Filho.
O lugar é amplo, tem dois palcos, excelente backstage, as food-trucks estavam ótimas, mas faltaram as multidões. Talvez intimidados com o frio, muitos porto-alegrenses preferiram o conforto de casa. Ou talvez porque o Morrostock, nessa vivência na Capital, deixou de lado suas características bucólicas (aquela história de acampar, rodeado de cachoeiras) e fez um encontro de bandas tradicionais, com a velha receita tíquete com direito a palco-dança, bebida é por sua conta...Só que o clima teria prejudicado ainda mais o festival se ele tivesse sido armado em algum balneário ou camping, dos tantos que existem à beira do Guaíba. Talvez a época não seja mesmo propícia a acampamentos e o negócio é fazer nova tentativa em tempos mais amenos — pô, Morrostock justo numa noite gélida?
- É, bicho, talvez o Morrostock não seja muito "in door". Foi sempre muito aquela coisa de natureza, tá ligado? Mas o pessoal tá aqui, prestigiando — analisa Cassiano Cassanta, da banda santa-mariense Louis&Anas, que há anos toca no festival.
Cassiano tem razão. Fã de fé desafia São Pedro e até que um público fiel se fez presente no Pepsi On Stage.
O Bloco da Laje levou ao delírio aquela gente multicolorida que adora lantejoulas, strass, maquiagem e samba — e que aumenta a cada apresentação. Dessa vez, a trupe não se limitou à batucada, mas ganhou acompanhamento de baixo, guitarra, sopros e bateria, no capricho.
Por falar em maquiagem, a mulherada (e alguns homens) fizeram fila para ganhar um make-up gratuito na festa, promovido por um salão de beleza.
Num dos palcos, a Louis&Anas mandou ver num funk-disco setentista, pondo a massa para dançar. Supervão fez experimentalismos eletrônicos e releituras de clássicos da MPB, tudo com muita guitarra. E a grande atração prevista para a noite era a banda Liniker e os Caramelows, com seu som sensual e manemolente.
A versão porto-alegrense foi batizada de Morrostock Poaa - homenagem à Capital e sigla de "povo, amor e arte", três valores cultivados pela organização. O festival, para quem não sabe, agora tem sede fixa em Santa Maria (depois de ter passado por Sapiranga, Marau e Capela de Santana). Mas tudo indica que terá versões itinerantes, como essa de Porto Alegre. Tem tudo para atrair um público sempre carente de arte e boas iniciativas, como o gaúcho. Mas, fica a dica: que tal no verão e com atividades complementares ao ar-livre? O público que ajudou a forjar o Woodstock gaudério agradece.