Liniker não é "o" nem "a". É Liniker, sem artigo masculino ou feminino. Nascido Liniker de Barros Ferreira Campos, membro de uma família recheada de cantores e amantes da dança e da música, teve seu nome tirado do goleador da Copa do Mundo de 1986, o atacante inglês Gary Liniker. Por vezes, fala de si "cantora", em outras usa o termo "ator". Em determinado momento, refere-se a si mesmo como "bicha preta".
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É que Liniker é mais do que apenas um cantor que vem ganhando repercussão entre os amantes de black music, MPB e samba. Sua postura, seu visual e suas letras são símbolos claros de posições que ela toma como primordiais: a batalha pela igualdade racial, a luta contra a homotransfobia e o esforço pela representatividade de pobres. É impossível não ver questionamentos profundos no fato de Liniker apresentar-se vestindo turbante, saia, colar, brinco batom e barba.
Começo difícil, sucesso imediato
A história da artista é breve e de evolução veloz. Em menos de meio ano, foi de total desconhecido a sucesso nas redes sociais. Após o lançamento do EP Cru, em outubro do ano passado, os vídeos de músicas como Zero, Caeu e Louise du Brésil foram vistos e compartilhados por milhares de pessoas, transformando a artista em um símbolo de lutas que, se ganharam as ruas de forma mais contundente nos últimos anos, são ainda mais prementes no ambiente digital.
Nascido em Araraquara, Liniker conta que até pouco tempo atrás nunca havia saído de seu estado natal. Nos últimos meses, é solicitado para shows em todo o Brasil. O mais perto que chegou do Rio Grande do Sul foi Curitiba, em um show neste ano. Pois hoje o cantor se apresenta em Porto Alegre, como atração principal da primeira edição da Noite Morrostock, projeto do festival que ocorre há 10 anos no Estado. Ao lado de Bandinha Di Dá Dó e Mari Martinez & The Soulmates, ela sobe ao palco do Opinião (José do Patrocínio, 834) para apresentar músicas de seu EP de estreia, Cru, e de um CD que ainda está em produção, mas que se chamará Remonta e já tem músicas prontas. Confira ao lado as principais partes da entrevista concedida por Liniker a ZH.
O seu trabalho ganhou repercussão muito rápido. Como foi esse processo?
Esse trabalho não é de agora. Tenho 20 anos, mas comecei a cantar com 16. Tudo que está reverberando é fruto de um trabalho que começou antes. Só que agora tem uma proporção muito maior. Eu considero tudo que veio antes um processo de instrumentalização, tanto musical quanto de postura de palco. O fato de, nesse meio tempo, eu ter estudado teatro me proporcionou um campo de entendimento que faz com que eu tenha a sensação de subir no palco como alguém que já sabe mais ou menos como aquilo funciona, que já domina aquilo de certa forma.
De que forma a sua maneira de se vestir e se portar no palco impacta o seu trabalho?
É um dos diferenciais. Ali, eu sou transparente, inteiro, tento passar a verdade para as pessoas. Vai muito além de subir no palco e cantar minha música. É transformar, fazer isso ser verdade, e só vai ser assim se eu me empoderar e me colocar da maneira como eu gosto de ser.
E essa vivência tem influência na sua forma de compor?
Eu sempre guardei muitos sentimentos. Era reservado ao extremo, não conseguia botar para fora. Escrever virou um processo de vomitar coisas. Sabe quando você se autodestrói para se transformar em algo novo, como um casulo que vira borboleta? Eu tinha muita coisa de amor engasgada, eu era travado. Escrever era uma forma de falar sobre o que eu sentia, de escrever cartas para pessoas com quem eu não podia falar. Tanto que eu tenho uma música chamada Sem Nome Mas com Endereço. Eu beijei pela primeira vez aos 18 anos. Existe toda a questão de objetificação e não aceitação de pessoas negras, e isso só foi mudando quando eu passei a me apresentar assim, como eu sou. Bicha preta, onde bichas pretas não são benquistas.
De que forma outras bichas e outros pretos reagem ao seu trabalho?
Essa é uma das respostas que mais recebo: pessoas que me veem ali e se sentem representadas. Me falam que é como se isso não existisse antes. É até louco, porque é muita responsabilidade, mas ao mesmo tempo é muito importante, porque traz, além do trabalho de músico, de cantora, uma voz que sente, que carrega consigo uma história, um percurso que não é só meu, mas da minha mãe, da minha avó, dos meus tios, de pessoas que passam pelas mesmas coisas que eu todos os dias. E não sou só eu que estou fazendo por mim, mas tem muita gente fazendo por elas. Por isso que é importante a gente evidenciar que a representatividade importa muito.
Você nunca veio ao Rio Grande do Sul. O que espera do show?
Viajei muito pouco na minha vida, então é muito louco chegar nas capitais e ver as pessoas me chamando pelo nome, cantando músicas que eu ainda nem lancei, sabendo da minha história. E é foda ver as pessoas se abrindo para quem eu sou. Boto muito fé de que este show de Porto Alegre vai ser muito gostoso. As pessoas mandam comentários no evento no Facebook e vejo que elas estão muito abertas. Modéstia a parte, todo mundo da banda está tão entregue ao projeto que, quando subimos no palco, é um evento. Acreditamos que só dá certo porque é coletivo, e isso causa outra energia no público, de entrega, de troca, de diálogo com a plateia. Vai ser lindo.
NOITES MORROSTOCK
Quinta-feira às 20h
Classificação: 16 anos
Opinião (Rua José do Patrocínio, 834)
Ingressos: R$ 50 (promocional, por tempo limitado), em terceiro lote. Desconto de 50% para estudantes (é necessária a apresentação da carteira de estudante na entrada do espetáculo).
Pontos de venda: Lojas Youcom do shopping Bourbon Wallig (bilheteria oficial sem taxa de conveniência) e dos shoppings Praia de Belas, Bourbon Ipiranga e BarraShopping Sul e lojas Multisom Andradas 1001, Canoas Shopping, Bourbon Novo Hamburgo e Bourbon São Leopoldo (sujeito à cobrança de R$ 3 de taxa de conveniência) e pelo site minhaentrada.com.br.