Ano de recessão econômica generalizada, 2018 chegou ao fim com o mercado livreiro vivendo um paradoxo inquietante. Por um lado, aprofundando uma crise que já dura desde 2015 e que resultou em um encolhimento de mercado de 21% em três anos, as redes de megastores Cultura e Saraiva, entraram com pedidos de recuperação judicial para impedir o crescimento de uma dívida paralisante.
Ao mesmo tempo, o tropeço das duas gigantes do setor ocorre em um ano em que, de acordo com uma pesquisa do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), houve um crescimento nas vendas de livro em 3,6% em volume e em 5,4% em valor, ensaiando uma tímida recuperação.
A esse quadro, unem-se novas livrarias e editoras, reconhecimento de autores independentes e mudanças na maior editora do Brasil. Ah, sim, também não teve Prêmio Nobel.
O tropeço dos gigantes
Em 2018, o Brasil testemunhou o fim de uma outrora grande rede e as dificuldades de outras duas cadeias de megastores que, juntas, somam cerca de 40% do varejo livreiro nacional. Cinco anos após pedir recuperação judicial, a rede LaSelva, uma das com maior presença nos aeroportos do Brasil, teve sua falência decretada.
Com o fim do ano, tornou-se gritante a crise do modelo de megastores representado ao longo das últimas décadas pelas grandes redes Saraiva e Cultura . Em setembro, pouco mais de um ano após comprar as operações da Fnac no Brasil, incluindo 12 lojas, a Livraria Cultura anunciou o fechamento de todos os pontos que havia herdado da rede francesa – incluindo um em Porto Alegre.
Em outubro, a Cultura entrou com um pedido de recuperação judicial para tentar regularizar uma massa de dívidas de quase R$ 285 milhões. No mesmo mês, a maior rede de livrarias do Brasil, a Saraiva, anunciou a decisão de fechar 20 unidades dentre as 85 que mantém espalhadas pelo país. Em novembro, também pediu recuperação judicial para lidar com sua própria dívida de R$ 675 milhões.
Temendo o efeito dominó da crise das grandes redes, o editor da principal casa brasileira, a Companhia das Letras, lançou um apelo para que o consumidor privilegiasse o livro como presente de Natal no fim de ano. E as próprias redes, unidas em iniciativa da Associação Nacional de Livrarias, lançaram a campanha #Vempralivraria, tentando trazer de volta o público para os estabelecimentos.
A marcha do pinguim
A editora britânica Penguin Random House, maior grupo editorial do mundo, terminou o ano assumindo o controle majoritário da maior editora brasileira, a Companhia das Letras. A Penguin havia se associado pela primeira vez à Companhia em 2012, quando o grupo inglês comprou uma participação de 45% na editora brasileira. Este ano, passou a ter 70%. Rumores chegaram a circular de que a compra representaria a aposentadoria do publisher da Companhia, Luiz Schwarcz, mas a editora apressou-se em esclarecer, em carta, que Schwarcz, ainda detentor de 30% da empresa, segue como CEO.
Gente nova no pedaço
Fundada em 2017, a editora Todavia, formada por egressos da Companhia das Letras, se consolidou em pouco mais de um ano como editora de prestígio com lançamentos de qualidade e edições bem cuidadas. Mais do que a história de apenas uma editora, a Todavia sinaliza uma tendência: com as gigantes cada vez mais concentradas, abre-se espaço para editoras menores com aposta mais curatorial. É o perfil de outras casas que também ganharam visibilidade recente, como Carambaia e Rádio Londres.
Um ano sem Nobel literário
Em maio, a Academia Sueca anunciou que não faria a entrega do Nobel de Literatura em 2018. A suspensão do prêmio, primeira na história a não ser motivada por uma guerra, foi resultado de acusações de assédio, estupro e vazamentos de informações contra o dramaturgo francês Jean-Claude Arnault, marido da poeta Katarina Frostenson, membro da Academia. Dezoito mulheres acusaram Arnault de assédio. Ambos também são sócios em um clube de arte que recebia apoio financeiro da academia. Na esteira do escândalo e de três pedidos de renúncia, a instituição cancelou o prêmio este ano.
O grito dos independentes
Mais tradicional prêmio da literatura nacional, o Jabuti marcou seu 60º aniversário com um prêmio de alta ressonância simbólica. A premiação de Livro do Ano foi entregue à obra independente À Cidade, coletânea de poemas do jovem cearense Mailson Furtado Viana, livro que o próprio autor, responsável também pela edição e pelas ilustrações, definiu como "feito à mão".
– Esse prêmio vem abrir um pouco a janela para enxergamos essa literatura que se faz sozinho, independente – comemorou o poeta ao receber o prêmio, no início de novembro.
A premiação foi dada em um momento em que a autopublicação vem se disseminando no país e criando seus próprios autores de sucesso, principalmente no campo digital, onde se proliferam plataformas de publicação, como KDP – ferramenta de edição direta para o Kindle, da gigante Amazon, alegadamente a com o maior número de escritores inscritos, embora não divulgue o total –, Kobo Writing Life, Clube de Autores e Bookess.
Vozes da periferia
Foi um ano de se falar de vozes da periferia, uma delas com décadas de atuação e outra uma jovem estreia. No segundo semestre do ano, o carioca Geovani Martins se tornou amplamente reconhecido no Brasil com seu primeiro livro, O Sol na Cabeça, contos sobre o cotidiano de jovens nas favelas, histórias de rolezinhos, brutalidade policial e segregação social e racial. Também em 2018, a escritora Conceição Evaristo lançou seu nome como candidata à cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras, numa campanha que ganhou grande apoio de movimentos negros e sociais. Mas só recebeu um voto.
A sombra da censura
Com a polarização do clima político acirrada pelo ano eleitoral, a literatura, especialmente a literatura para jovens, entrou no foco de uma onda de denúncias realizadas por pais e políticos conservadores – levando, em alguns casos, à remoção das obras de bibliotecas escolares e dos currículos das instituições de ensino. O livro Meninos Sem Pátria, de Luiz Puntel há mais de 20 anos parte do catálogo da Coleção Vagalume, da Ática, e, já na 23ª edição, foi alvo de um grupo de pais da escola carioca Santo Agostinho. O livro, sobre a vida de um menino no exílio com sua família durante a ditadura militar, foi chamado de “doutrinação comunista” e sua leitura em classe foi suspensa pela direção. Ana Maria Machado e seu livro O Menino que Espiava para Dentro também foram alvo de ataques por deputados estaduais do Mato Grosso do Sul por supostamente "fazer apologia ao suicídio".
A política na estante
Em um movimento que na verdade pode ser datado até a ascensão de Donald Trump nos EUA, aumentou a procura por obras sobre os rumos da democracia e as marés da política. Como as Democracias Morrem, ensaio dos professores de Harvard Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, analisando os novos populismos que tornaram possível a eleição de Trump, tornou-se best-seller internacional (inclusive no Brasil). Semelhante em escopo, Como a Democracia Chega ao Fim, de David Runciman, também foi bastante comentado. A L&PM lançou, no fim do ano, edição nacional de Como Funciona o Fascismo, de Jason Stanley. No polo político oposto, a Record reeditou os principais livros de Olavo de Carvalho, que ganhou novo prestígio entre a direita nacional como guru do presidente eleito Jair Bolsonaro.
Os premiados de 2018
Um dos jovens talentos colocados em evidência na temporada de prêmios do ano foi o porto-alegrense Tobias Carvalho, que venceu o Prêmio SESC na categoria Contos com seu livro de estreia, As Coisas. Carol Bensimon, com seu romance O Clube dos Jardineiros de Fumaça, levou o Jabuti na categoria Romance. Na finaleira do ano, o gaúcho radicado no Distrito Federal Lourenço Cazarré venceu na categoria Romance o Prêmio Paraná, voltado para a publicação de obras inéditas.
As ausências
O primeiro trimestre do ano nem havia terminado e já era registrada uma perda gigantesca para a literatura, a de Philip Roth, que morreu sem ter recebido o Nobel que muitos de seus admiradores consideravam merecido pelo conjunto de sua obra. O controverso V.S. Naipaul, este sim um Nobel, premiado em 2001, se foi em agosto.
No Brasil, um jovem talento da nova literatura, Victor Heringer, morreu aos 29 anos. No cenário local, 2018 foi o ano de se despedir de Aldyr Garcia Schlee, desmistificador da literatura gauchesca (e, colateralmente, inventor do uniforme da Seleção). O Estado também perdeu o folclorista e pesquisador Paixão Côrtes, o remanescente do trio de grandes fundadores do Movimento Tradicionalista.