Camila von Holdefer
Crítica literária
Dizer que Victor Heringer foi um autor talentoso que morreu muito jovem não é o suficiente para explicar a comoção dos últimos dias. Pelos depoimentos emocionados que têm surgido desde 7 de março, Heringer deixa amigos e conhecidos com boas recordações – mas, embora o afeto seja parte importante da questão, também não é disso que se trata. Sem poder nem pretender engrossar o coro, eu gostaria de falar de literatura.
Se é fácil afetar objetividade ou neutralidade em alguns textos, desviando com graça da primeira pessoa, outros não autorizam a mesma manobra. Por uma questão de honestidade, devo dizer que a partida precoce do autor, que não conheci pessoalmente, me entristece e desconcerta de maneira profunda. Tenho 29 anos, mesma idade de Victor Heringer ao morrer. É um dado banal, mas ao mesmo tempo não é.
A ideia de que alguém se foi tão cedo, e na mesma altura da vida em que me encontro agora, ressoa de forma dolorosa. Há nisso um elemento de solidariedade por aqueles que, sem ter chegado ainda aos 30 anos, precisam se movimentar em um meio que nem sempre aceita ou leva os mais novos a sério. Sabemos quais são as provas e os ônus. Tentar eliminar a condescendência é como passar 365 dias esfregando alguma substância viscosa do corpo; a cada aniversário há um pouco menos, mas a limpeza continua. Quando escolhe mexer com coisas obscuras, como literatura, juventude é algo de que você se livra.
A idade é a mesma, mas os lugares que ocupamos são distintos. Não escrevo literatura, mas sobre literatura. Conheci o trabalho de Heringer ao resenhar seu segundo romance, O Amor dos Homens Avulsos, em 2016. Resenhar, num sentido mais amplo, não é tão simples quanto pode parecer. Para o bem e para o mal, um resenhista enxerga o cenário de um ângulo nem sempre favorável. São muitos autores e centenas de livros que não podem ser absorvidos por um espaço reduzido. E lemos coisas não tão boas, pilhas delas.
Mas o excepcional não seria excepcional se surgisse a todo momento. O romance de Heringer era, e é, excepcional. Lembro do encanto e do interesse com que li O Amor dos Homens Avulsos, que conta a história de amor de dois rapazes, Camilo e Cosme, que crescem em um bairro do Rio. É a possibilidade de encontrar livros tão singulares que torna minha estranha atividade quase aceitável, como se a redimisse. E aqui podemos começar a entender por que a morte de Heringer é tão triste – e deixa a literatura brasileira bem mais pobre.
Seu romance de estreia, Glória, mereceu o segundo lugar no Jabuti em 2013. O Amor dos Homens Avulsos foi finalista dos prêmios Oceano e São Paulo. Era artista multimídia. Além da prosa, escreveu poesia.
De um autor estreante cujo nome já não me lembro, o escritor argentino Ricardo Piglia disse que escrevia com "palavras emprestadas". É muito comum encontrar em autores inexperientes, jovens ou não, esse mesmo artificialismo. Não em Heringer. E essa voz particular, rara, é o mais importante de tudo.
Em O Amor dos Homens Avulsos, Heringer equilibra brutalidade e ternura. Há passagens perturbadoras e passagens delicadas. Há algo de muito antigo e há algo de ingênuo. Difícil de ser sustentada, a combinação tem uma força única. Em certo sentido, Heringer me parecia um músico que tocava sem partitura. Intuitivo.
Em Carta a um Jovem Poeta, Virginia Woolf aconselha um amigo a não publicar nada antes de completar 30 anos. Antes dos 30, diz ela, o sujeito está embotado ou inundado pelos sentidos. Há vários autores que, com o próprio exemplo, ajudam a invalidar a advertência de Woolf. Victor Heringer é um deles. Sempre pareceu um autor seguro, por mais que seja difícil localizar e definir essa segurança. Não há uma fórmula: é algo que está ou não presente em um livro. É difícil saber como surge e como se mantém.
Woolf tem outro argumento: o jovem autor que deseja ver um livro publicado já não poderia experimentar com liberdade, pois passaria a ter um possível leitor em mente. Seria preciso dosar, controlar, atender expectativas. Mas aprender a escrever bem também é aprender a dosar, controlar e atender expectativas.
Há um limite, é claro. Muita gente lamentou por aquilo que Heringer poderia ter feito e escrito daqui a alguns anos. Me pergunto se isso pelo que lamentamos, eu inclusa, também pode ser um peso para qualquer autor, e, se sim, de que tipo.
O caso é que há vida própria em um romance ou poema de Heringer, algo que não se vê todo dia e que excede o mero talento. Um autor talentoso que nos deixa é uma coisa, e é sempre muito triste. Um autor talentoso com uma voz própria é desolador.