De pés descalços e debaixo de chuva, quatro mulheres percorreram as ruas do Centro Histórico de Porto Alegre nesta terça-feira (27). Munidas de uma rosa cada, eram seguidas por jovens portando duas espadas de São Jorge e crisântemos. Levando o mesmo nome da música da banda Secos e Molhados, Que Fim Levaram Todas as Flores? foi a quarta intervenção antiaglomeração do 27º Porto Alegre em Cena.
A apresentação da Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela é caracterizada como um cortejo fúnebre personificado por mulheres marcadas como marginais e rebeldes. Da direção da Igreja Nossa Senhora das Dores vem Fayola Ferreira, representando a causa trans e LGBT. Da Esquina Democrática, Ketelin Abbady faz o papel da guerrilheira urbana, representando uma América Latina que se levanta. Ana Eberhardt, por sua vez, traça seu caminho pelo viaduto da Borges de Medeiros, local onde há registros de suicídios, representando a loucura e a saúde mental.
— A sociedade nos pressiona de tal ponto que a gente tem esse pesar, esse sofrimento. Tudo é muito pesado, e depois é muito fácil nos prender, nos amarrar e nos chamar de loucas — afirmou a atriz Danielle Rosa.
Representando a luta afro e as marcas da escravidão, Danielle havia saído do Mercado Público. A máscara, cotidiana nos dias atuais por conta da pandemia, é um elemento que já foi tratado em outras performances.
— A gente já trabalhava com a figura da máscara há muito tempo, com as pessoas que foram escravizadas e o quanto elas carregam essa herança histórica. Já era usada máscara como punição, para que elas não roubassem, bebessem ou cometessem suicídio comendo terra — explicou, afirmando que se baseou na escrava Anastácia.
É na esquina da Rua General Câmara com a Rua dos Andradas que a performance atinge seu auge. Todas as mulheres se encontram e, a distância, abraçam-se e choram seus mortos.
— Tudo em função da máscara, da pandemia, e principalmente a questão de chorar os nossos mortos, de lembrar daqueles que vieram antes de nós e que lutaram pelas coisas que, hoje, ainda continuamos tendo que lutar para não perder os direitos adquiridos — disse Danielle. — Estar com aquela máscara significa tudo aquilo que a gente acredita e luta, não só como artista, mas como pessoa também. Se eu não acredito na escravidão como uma coisa válida, e também não acredito numa espécie superior à outra, é uma coisa que me constrói como pessoa e como mulher. Cada mulher que estava ali hoje, que carregou aquele símbolo consigo, acredita muito nessa luta — finalizou.
Produzir a apresentação em meio à crise do coronavírus, entretanto, não foi fácil. A artista relatou que houve diversos contratempos que chegaram a colocar em xeque a realização da intervenção.
— É uma coisa extremamente emocionante, é uma coisa cativante, é como se desse vida pra gente de novo. A gente faz arte porque tem necessidade, porque ela nos mantém vivos — contou.
O espetáculo antiaglomeração tem essa denominação porque, embora transmitido nas redes sociais, não tem o endereço previamente divulgado para o público. Além de Que Fim Levaram Todas as Flores?, que contará com uma segunda apresentação nesta quarta-feira (28), o Porto Alegre em Cena trará o espetáculo Terminal. A obra se caracteriza como uma performance de alerta, com o objetivo de expor a dor das famílias que sofrem com a covid-19 nos hospitais. A programação completa pode ser consultada e assistida no site do festival.