Em um palco flutuante rodeado de lixo em meio ao lago da Ponte de Pedra, um homem e uma mulher erguem as mãos para o alto. De costas para o parceiro, ela entoa, tira a máscara — aumentando o volume da voz — e a coloca novamente. Em uma ode à natureza e uma crítica à poluição, a cena ocorrida nesta quarta-feira (21) marcou o início do primeiro espetáculo antiaglomeração previsto no 27º Porto Alegre Em Cena, nomeado Ritual de Sobrevivência Urbana.
A apresentação de Marina Mendo, 38 anos, e Rossendo Rodrigues, 33, durou cerca de uma hora. Dividiram, até o final da performance, o mesmo espaço em meio a detritos e onde, em uma das cenas, banharam-se com água limpa. Ao final, restou apenas água suja.
O espetáculo antiaglomeração tem dessa denominação porque, embora transmitido nas redes sociais, não tem o endereço previamente divulgado para o público. De acordo com o diretor do Porto Alegre Em Cena, Fernando Zugno, a ideia começou com a insatisfação de fazer um festival totalmente digital.
— São instalações, performances, que acontecem e surpreendem as pessoas onde elas estão. Aqui é lindo ver as pessoas dentro dos ônibus, nas conduções, olhando para ver o que está acontecendo, era essa a nossa ideia — disse.
De acordo com Marina, a intervenção já havia ocorrido antes em Porto Alegre, mas em uma versão que contava apenas com a presença de Rodrigues. A artista também afirmou que o formato da apresentação antiaglomeração acabou, de certa forma, se encaixando com o propósito original da performance. Contudo, outras questões surgiram para evitar a disseminação do coronavírus.
— Ela não é feita para formar público, mesmo fora da pandemia. Os nossos trabalhos anteriores também, a gente aparece na cidade e quem está passando assiste por um tempo e segue seu caminho. Não é como um teatro de rua que se marca uma apresentação e se forma um público em volta. Ela tem esse caráter de surpresa. — disse. — Essa apresentação em especial nos colocou à frente de várias perguntas, como, por exemplo, vamos performar de máscara, sem máscara, quais cuidados temos que tomar na produção?
Desde o início da pandemia, Marina disse estar parada. Ela afirmou que, durante o período da crise sanitária, diversos assuntos acabaram interferindo no tema que eles gostariam de tratar, como os incêndios no Pantanal e na Amazônia.
— Eu acho que a própria pandemia tem a ver com a temática do nosso cenário, que é a sustentabilidade. É uma relação em rede, em que a forma como a gente se relaciona afeta não só nossa vida privada, mas também o coletivo. A forma como tu tratas teu lixo, teus resíduos, afeta o planeta inteiro — refletiu Marina.
A iniciativa foi aprovada por quem passava pelo local. Ao levar seus cachorros para passear, Sabrina Chagas, 30, parou algumas vezes para olhar a apresentação. À reportagem de GZH, ela afirmou que já tinha acompanhado outras edições do evento, mas não sabia que se tratava de uma apresentação do festival.
— Eu vou dar mais uma volta e vou sentar ali, ficar dando uma olhada — disse, acrescentando que a atração tinha despertado sua curiosidade.
A mesma situação se repetiu com o designer de interiores Rodrigo Borges, 40, que saiu com a cachorra de estimação mas acabou ficando até o final da apresentação. Embora nunca tenha acompanhado o Porto Alegre Em Cena, ele disse que a performance chamou sua atenção.
— Na minha visão, ela trata do fato de que o planeta e a natureza hoje pedem socorro por causa da poluição. Nós, seres humanos, que somos os racionais da história, não estamos detectando isso — disse. — Achei uma ótima iniciativa porque nós precisamos. A arte e a cultura hoje são muito desvalorizadas, e nós precisamos muito delas.
Além de Ritual de Sobrevivência Urbana, o evento terá outras quatro performances antiaglomeração. Pegadas no Ar trará bonecos gigantes para as ruas da capital gaúcha, em uma metáfora sobre a vida em suspensão. Oásis Urbano, por sua vez, desfilará pela cidade, em um projeto que reúne artes cênicas, música e audiovisual. Que Fim Levaram Todas as Flores? traz a dor e o luto como força, a solidão e o isolamento como condição cotidiana da mulher em seu sofrimento. Terminal, por fim, é um espetáculo de alerta, com o objetivo de expor a dor das famílias que sofrem com a covid-19 nos hospitais. A programação completa pode ser consultada e assistida no site do Porto Alegre Em Cena.