No final dos anos 1960, Chet Baker se envolveu em uma briga de rua que teria sido motivada por dívidas de drogas e perdeu boa parte de seus dentes. Foi uma tragédia para quem tinha por ofício tocar trompete e cantar, mas não foi o único incidente na trajetória do músico que incorporou certa aura de gênio romântico: talentoso e inconstante. Sua vida foi marcada pela glória e pela decadência, terminando prematuramente em 1988, aos 59 anos, quando caiu do segundo andar de um hotel em Amsterdã.
Baker foi homenageado em documentário (Let's Get Lost, de Bruce Weber), cinebiografia (Chet Baker — A Lenda do Jazz, de Robert Budreau, com Ethan Hawke no papel principal) e livro (No Fundo de um Sonho, de James Gavin). Neste fim de semana, chega a Porto Alegre uma montagem paulista que leva o drama da lenda do cool jazz para o palco.
Com sessões no sábado (3) e no domingo (4) no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, a peça Chet Baker, Apenas um Sopro parte do episódio real da surra que lhe custou os dentes para imaginar o momento, anos depois, em que ele entra novamente em estúdio para voltar a gravar.
Quem representa o músico nesse momento de fragilidade e dúvida é Paulo Miklos, ex-integrante dos Titãs que começou como ator no filme O Invasor (2002), de Beto Brant, e esteve na novela das nove da Globo O Sétimo Guardião. A peça, estreada em 2016 em São Paulo, é sua primeira incursão no teatro.
— Depois de todas as experiências no cinema e na televisão, faltava essa do teatro, de sentir a respiração do público, a emoção e tudo. Desde sempre eu tinha a experiência de me apresentar como músico nos palcos do Brasil e do mundo, mas não atuando. Essa peça traz a proposta de viver um músico, um personagem denso, com história conturbada.
Ambientada em um estúdio durante uma tarde e noite de gravação, a montagem escrita por Sérgio Roveri e dirigida por José Roberto Jardim mostra Baker interagindo com uma banda de personagens fictícios interpretados pelos atores-músicos Anna Toledo, Jonathas Joba, Piero Damiani e Ladislau Kardos — que também podem ser vistos como sínteses dos diferentes músicos com quem tocou e das mulheres com as quais se envolveu.
Miklos admirava a música de Chet Baker desde a adolescência, quando começou a tocar flauta transversal e saxofone, e se aprofundou na personalidade do jazzista americano durante a preparação para o espetáculo:
— Seu estilo e sua maneira de cantar foram uma grande influência para mim e para a música brasileira. É um ícone. Também era um homem muito bonito, com uma postura interessante. Tinha uma coisa blasé, romântica, meio lírica. No final, as duas coisas se confundiam: a música e a figura que aparecia nas capas dos discos e nas fotos.
Ao mesmo tempo, Miklos vê sua vida espelhada na do personagem:
— É uma experiência pessoal. Me vejo ali em muitos momentos, inclusive nos de excesso e insegurança. A relação dele com os colegas músicos é familiar para mim. Conto um pouco da minha própria história por meio da peça.
Chet Baker, Apenas um Sopro
Neste sábado (3), às 21h, e domingo (4), às 18h.
Theatro São Pedro (Praça Mal. Deodoro, s/n°), fone (51) 3227-5100, em Porto Alegre.
Ingressos de R$ 40 a R$ 80, à venda no site teatrosaopedro.com.br (com taxa) e na bilheteria do teatro.
Outros espetáculos da semana
Deboche no palco e no WhastApp
Os artistas costumam pedir para o público desligar o celular antes de um espetáculo, mas não é o caso do grupo Teatro Sarcáustico. Em A Última Peça (leia reportagem e crítica) que volta a cartaz nesta sexta-feira (2), em Porto Alegre, o coletivo interage em tempo real com a plateia no WhatsApp enquanto o espetáculo se desenvolve no palco.
Nesta festa divertida e ácida, que marca os 15 anos do Sarcáustico e, ao mesmo tempo, sua despedida — ou "despedida" —, entram em cena visões debochadas do fazer artístico, do mundo das celebridades e da realidade brasileira. As sessões são de sextas a domingos, às 20h, até 25 de agosto, na Sala Álvaro Moreyra (Av. Erico Verissimo, 307), em Porto Alegre, com ingressos a R$ 30.
Às sextas-feira, alunos de escolas públicas têm entrada gratuita, e o público em geral tem entrada mediante entrega de um quilo de alimento não perecível, material de higiene ou material de limpeza para doação para a Casa do Artista. Grupos com mais de 15 pessoas devem reservar até a quarta-feira de cada semana pelo e-mail sarcaustico@gmail.com.
Humanos selvagens em cena
Espetáculo que rendeu a Inês Marocco o Prêmio Açorianos de Teatro na categoria melhor direção neste ano, Arena Selvagem retorna em nova temporada até 11 de agosto, de sextas a domingos, às 20h, no Teatro de Arena (Av. Borges de Medeiros, 835, com acesso também pela Duque de Caxias). Os ingressos custam R$ 40.
Arena Selvagem é um mosaico com diferentes cenas — da mais dramática à mais escrachada — que revelam aspectos da animalidade no ser humano. O trabalho parte de uma pesquisa do Grupo Cerco no Centro de Documentação e Pesquisa em Artes Cênicas do Teatro de Arena, resultando em uma dramaturgia que costura trechos de obras de Carlos Carvalho, Franz Kafka, Carlos Drummond de Andrade e do próprio coletivo.
Ondas sonoras na ponta dos pés
Há 15 anos dançando juntas, as sapateadoras Camila Schlichting, Gabriella Castro, Karoline Masiero e Pietra Emanuelle estrearam em 2018 o espetáculo Tímpano, que terá novas sessões de sexta (2) a domingo (4), às 20h30min, no Teatro Renascença (Av. Erico Verissimo, 307), com ingressos a R$ 30.
Dirigida por Gabriella, a produção da Cia. de Dança Karin Ruschel propõe uma experiência sensorial que ilustra com movimentos, luz e som o trajeto das ondas sonoras no ouvido humano. Para isso, utiliza no palco uma iluminação criada com mangueiras de LED, lasers e fios de luz piscantes. Já a trilha sonora tem jazz, rock, hip-hop e soul.
O espetáculo valeu à companhia o Destaque em Sapateado no Prêmio Açorianos de Dança, entregue neste ano, pelo "elenco coeso e artisticamente maduro".