Aos 42 anos, o produtor carioca Rodrigo Teixeira é o brasileiro com maior prestígio em Hollywood. Com a sua produtora RT Features, ele consolidou uma trajetória regular com filmes como Frances Ha (2012), A Bruxa (2015) e Me Chame Pelo Seu Nome (2017). O produtor deixou o mercado financeiro e a faculdade de Administração para se dedicar ao entretenimento tendo estreado no Brasil, com O Casamento de Romeu e Julieta (2005). Apesar da carreira internacional, ele nunca deixou de produzir títulos nacionais – como Tim Maia (2014), O Silêncio do Céu (2016) e o premiado em Cannes A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (ainda inédito no circuito). Nos próximos meses, lançará Ad Astra, com Brad Pitt, Wasp Network, com Penélope Cruz, Gael Garcia Bernal e Wagner Moura, e The Lighthouse, com Robert Pattinson e Willem Dafoe. Ele esteve em Porto Alegre no fim de julho para ministrar uma masterclass promovida pela Fundação Cinema RS (Fundacine), ocasião em que conversou com GaúchaZH.
Você começou no mercado financeiro e cursou administração. Como foi a transição para o cinema?
Fiquei no mercado financeiro só um ano e pouco. Há 21 anos trabalho com mercado de entretenimento. Também atuava no mercado editorial. O cinema em si, assim como o audiovisual, passou a ser um foco exclusivo em 2004, quando produzi O Casamento de Romeu e Julieta.
Como funciona sua escolha de trabalhos?
Minha primeira escolha é sobre aquilo que quero ver. Penso muito no que gosto de assistir. Me coloco no lugar do público e respondo para mim essa pergunta. Você gosta disso? É isso que você gostaria de ver? Tendo uma resposta positiva, vou para cima do projeto e tento realizá-lo. Também tenho uma intuição que considero relativamente boa e me faz saber selecionar os projetos.
Em um filme, É possível perceber o estilo do roteirista, do diretor, do fotógrafo etc. De que maneira o filme fala pelo produtor?
É só você analisar a obra do produtor, aí você consegue entender quem ele é e o que ele faz. No meu caso, admiro outros produtores e tento criar a minha linha editorial. Tento encontrar uma linha, buscando inspiração nos filmes que eu gostaria de assistir. Essa é minha grande busca.
Você já comentou que sofreu preconceito no Brasil da própria classe de colegas. Que preconceito foi esse?
Dizia respeito a eu ter vindo de onde vim. Não comecei nessa indústria, não fui assistente de ninguém. Não estudei cinema. Sou cinéfilo por amor. Tive dificuldade de ser aceito não nessa indústria como um todo, mas em São Paulo especificamente. No Rio, sempre fui bem recebido.
Era bairrismo?
Não exatamente. Era mais entender de onde vim. Como se a arte fosse para outra turma. Na verdade, ninguém nunca me perguntou, naquela época, qual era minha relação com o cinema. Sou apaixonado por filmes desde criança. Lembro de ir ao cinema aos seis anos e me relacionar com o que via na tela. Infelizmente, não me vejo com potencial para roteirista ou diretor, mas sim como produtor, e esse know-how e essa cinefilia me trouxeram muitos benefícios.
Temos de formar plateia. Aqueles que vão ver 'Vingadores' deveriam ver também Kurosawa. É uma questão de educação. É obrigação dos canais de streaming mostrarem conteúdos distintos.
Teve alguma produção em especial que te despertou para trabalhar com cinema?
Muitos. Os Bons Companheiros (1990), do Martin Scorsese, O Rei da Comédia (1982), também do Scorsese, O Poderoso Chefão (1972), do Coppola. Steven Spielberg sempre foi um diretor que mexeu comigo, assim como Terrence Malick e Clint Eastwood. Assistir ao John Ford adulto também mexeu comigo. Os filmes de samurai do Akira Kurosawa. Central do Brasil (1997), Bye Bye Brasil (1980) e Pixote, a Lei do Mais Fraco (1980) são exemplos nacionais que conversaram comigo. Depois que vi Cidade de Deus (2002), fiquei pensando na capacidade técnica que a gente tinha para fazer um filme desses. Teve tanta coisa que mexeu com a minha cabeça que uma hora acabei pensando: “Cara, como é que faço para entrar nisso?”.
Nos países nos quais a indústria é mais estabelecida, como os EUA, o produtor é mais valorizado. Falta valorização da classe no cinema nacional?
Luto por isso. O problema, no Brasil, não é que o produtor seja desvalorizado. É que normalmente o diretor se autoproduz. Então, a figura do diretor é confundida com a do produtor. O produtor é o cara que está no começo do projeto do filme. O Brasil tem muitos produtores importantes. A Casa de Cinema, em Porto Alegre. A Conspiração, no Rio. A Vania Catani, a Emilie Lesclaux, mulher do Kleber Mendonça, que é uma excelente produtora. Sara Silveira, também. Iafa Britz, Mariza Leão, olha a quantidade de mulheres que há no Brasil produzindo filmes comerciais, de arte, dos mais diversos.
Quais são os principais problemas para produzir um filme no Brasil?
Produzir um filme em qualquer lugar é difícil. O primeiro problema é o processo de análise: o projeto é bom ou é ruim? Depois, tem o financiamento. Terceiro: como a gente distribui esse filme que produzimos. Esses três são os principais problemas.
O que te motiva a seguir trabalhando no Brasil, em paralelo aos projetos nos EUA?
Primeiro é o fato de produzir na minha língua, na minha terra, com pessoas com as quais facilmente me relaciono. Só que é um processo mais difícil, porque você tem uma dependência de dinheiro público. Precisa passar por diversos processos para obter financiamento.
Há três tipos de cinema sendo feitos hoje em dia. O entretenimento escapista, que é o blockbuster. Há também aquele cinema médio, com filmes que estávamos acostumados a ver nos anos 1980 e 1990 e, agora, estão aparecendo na Netflix. E o cinema independente, mais autoral. Creio que esse deveria ser o papel desse cinema hoje: criar histórias para provocar reflexões.
Como foi trabalhar em Ad Astra – Rumo às Estrelas, um filme com orçamento de US$ 100 milhões (que estreia no brasil em 26 de setembro)?
Foi uma escola. Aprendi muito. Teve uma equipe brilhante, com vencedores de Oscar. É um filme de estúdio, no qual você lida com o estúdio. Há um profissionalismo naquelas pessoas, que estão lá pelo ofício, não somente pela arte. É é um filme de ficção científica, me ensinou sobre o espaço, sobre futuro.
E o trabalho com Brad Pitt? Como foi?
Nunca imaginei que trabalharia com ele. Foi um sonho, de certa forma. Qualquer ator desse porte que você tenha oportunidade de trabalhar e tenha a generosidade do Brad Pitt... Ele é assim. Foi muito legal com a equipe, muito profissional. Foi um filme difícil, pois era totalmente concentrado nele, estava presente em quase 100% do tempo. Esse tipo de ficção científica eu não conseguiria fazer no Brasil. Porque é muito irreal (trata-se da história de um homem que viaja aos limites do Sistema Solar para encontrar o pai desaparecido e desvendar um mistério que ameaça a vida humana). Os EUA têm a Nasa, isso faz diferença para fazer esse tipo de projeto acontecer.
Outro próximo lançamento é Wasp Network, de Olivier Assayas, estrelado por Wagner Moura e Penélope Cruz, a ser exibido no Festival de Veneza no mês que vem. Pode contar um pouco mais sobre a construção desse filme?
Nesse projeto tenho uma participação enorme. Paguei para o Fernando Morais escrever o livro Os Últimos Soldados da Guerra Fria (sobre espiões cubanos em Miami tentando fazer conteúdo inteligente contra os anticastristas, que estavam tentando se infiltrar na infraestrutura turística de Cuba). Ele o fez, e eu fiquei com os direitos. Ofereci ao Assayas, que entrou no projeto. O filme se desenvolveu, levantou capital. Montamos uma estrutura em Cuba e outra na Espanha para as filmagens. Terminamos de rodar há quatro meses, só. E já está em Veneza. É uma maravilha. Um projeto do qual só tenho orgulho. Deve estrear em novembro no Brasil.
Para você, quais são os principais aspectos que um filme precisa ter hoje em dia para chamar atenção na indústria?
Depende muito. Há três tipos de cinema sendo feitos hoje em dia. O entretenimento escapista, que é o blockbuster que todo mundo vai assistir. Há também aquele cinema médio, com filmes que estávamos acostumados a ver nos anos 1980 e 1990 e, agora, estão aparecendo na Netflix. E o cinema independente, mais autoral, que se comunica com a sociedade sobre certos temas, traz reflexões. Acho que o cinema é uma grande ferramenta para contar uma história, tanto quanto as séries de TV. Creio que esse deveria ser o papel do cinema independente hoje: criar histórias para provocar reflexões.
Quais os exemplos desse último tipo de filmes?
Há muitos. A Hora Mais Escura (2012), da Kathryn Bigelow, é um relato da caçada a Osama Bin Laden. Era Uma Vez em Hollywood, do Tarantino (estreia nesta quinta-feira nos cinemas), é um exemplo parecido com Shampoo (1975), do Hal Ashby, que falava sobre masculinidade em um ambiente republicano no poder, com Nixon. Houve, em Shampoo, um recurso ficcional que era um homem ter de mentir que era gay para poder montar sua estrutura como cabeleireiro, para onde ele levava mulheres além de fazer o seu trabalho. Foi como se mostrou a bobeira do machismo, do homem que está encaminhando para esse lado. O Warren Beatty, protagonista, era um protótipo daquele personagem, sofria as consequências disso. Esse longa filmado em 1974 seria uma obra-prima ainda hoje. É esse tipo de cinema que, para mim, é importante existir atualmente.
Hoje, os maiores blockbusters são os filmes de super-herói. Isso é um limitante para quem quer trabalhar com público maior?
Acho que limita um alcance mais amplo, mas não determina que não se possa trabalhar com grandes públicos. Temos de formar plateia. Creio que o maior problema que temos hoje é formar plateia. Aqueles que vão ver Vingadores deveriam ver também Kurosawa. É uma questão de educação, de como educamos o público para o que ele assiste. É obrigação dos canais de streaming mostrarem conteúdos distintos. Sou radical nesse ponto. Mas adoro filmes escapistas. Vejo filmes de heróis com os meus filhos. Adoro.
O público ficou mais infantil, mais adolescente? O que justifica tanto sucesso de filmes de super-herói?
Acho que o mundo passa por uma realidade dura. E o filme de super-herói te transporta para uma realidade mais lúdica, que é o que todo mundo está buscando. O que as pessoas querem com o cinema, hoje, é sair da realidade e acompanhar uma vida na qual a preocupação é outra: você lutar contra um monstro e vencer no final. O público procura isso: entretenimento, com efeitos especiais, som, esse tipo de coisa. Há filmes bons de super-heróis. Assim como há ruins.
O mundo passa por uma realidade dura. E o filme de super-herói te transporta para uma realidade mais lúdica, que é o que todo mundo está buscando.
O domínio desses filmes não diminui o espaço para o cinema de autor?
Acho que o cinema de autor encolheu. Você tem de encontrar soluções – circuito de festivais, cinemas alternativos, salas comerciais que exibem o cinema de autor. Há espaços mais restritos.
Como você tem acompanhado as críticas de Bolsonaro à atuação da Agência Nacional do Cinema (Ancine)?
Acho que é um processo que necessita de diálogo. Temos de apresentar ao governo quais são as intenções do mercado, e que nós temos um mercado, uma indústria, que zelamos pelo dinheiro público. Precisamos apresentar uma pauta econômica. Acho que a Ancine tem uma pauta econômica importante, sim, que precisa ser discutida. É necessário mostrar ao governo que existe um pensamento de negócio por trás do que a gente está fazendo, e não só um pensamento de financiamento público. Há um pensamento industrial e econômico nessa produção.
O que você acha que aconteceria se a Ancine fosse extinta?
Seria um retrocesso a tudo que foi criado nos últimos anos. Não estamos preparados para não ter uma agência de cinema nem para não ter incentivo público. Por isso sou muito a favor de um diálogo. Temos de sentar com o governo e mostrar com números que o audiovisual brasileiro é importante para a economia e que a Ancine, como agência reguladora, precisa existir.
Nos últimos tempos, alguns grupos têm demonstrado hostilidade aos artistas no Brasil, inclusive por conta das leis de incentivo. Como você vê esse fenômeno?
Ter hostilidade contra lei de incentivo é uma falta de conhecimento sobre o que é a lei de incentivo. Nada é feito ali de forma ilegal. Só estudar a lei e ver que ela existe para ser exercida de forma legal. É uma falta de inteligência, uma falta de educação criticar o incentivo. Quanto à hostilidade aos artistas, trata-se muito mais de uma confusão política do que qualquer coisa. Qualquer comentário hoje é levado para o lado político.
(Uma eventual extinção da Ancine) Seria um retrocesso. Não estamos preparados para não ter uma agência de cinema nem para não ter incentivo público. É uma falta de inteligência, uma falta de educação criticar o incentivo. O audiovisual brasileiro é importante para a economia e que a Ancine precisa existir.
Você teme que a censura atinja a produção audiovisual no Brasil?
Temer eu não temo, mas acho que qualquer ambiente de censura que exista teremos de combater. Censura não é algo cabível nos dias de hoje, em qualquer país do mundo.
E se o governo determinar que tipo de produção possa ser financiada com leis de incentivo?
Trata-se de uma linha tênue para que se estabeleça a censura. O governo não pode fazer isso. É preciso haver variedade de temas nos filmes.
O Brasil sempre teve ciclos de produção industrial, em geral com filmes cômicos: as chanchadas da Atlântida, as pornochanchadas, o cinema caipira com Mazzaroppi e, mais recentemente, as “globochanchadas”. Há um caminho para se ter um cinema industrial mais estabelecido?
Acho que os ciclos existem de diversas formas. Esses ciclos terminam quando você forma o público. Se você forma público, esse ciclos vão mudar, não vão ser tão pontuais. Eles vão passar, mas terão deixado seu legado.
De alguma forma, com o financiamento via renúncia fiscal, os filmes ganharam um certo padrão, que acabou rompido com o uso das novas tecnologias (câmeras digitais mais baratas, internet para distribuir, streaming). Antes, o que predominava no Brasil era uma realidade de poucos recursos e poucas janelas de exibição. Agora, há as múltiplas formas de mostrar os filmes, porém, nem todas com grande alcance. Quais os ônus e bônus desse cenário com mais gente se lançando na produção audiovisual?
Acho que o ônus é um excesso de conteúdo sendo produzido de forma desregulada no mundo inteiro. Você não tem janela para exibir tudo que é produzido. E isso acaba criando bolhas de conteúdo. Essas bolhas são um problema mundial que vivenciamos atualmente. Já o bônus é que agora você tem uma série de plataformas que permitem que você, mesmo não tendo um histórico tão grande, consiga encontrar chances de exibir seu filme eventualmente.
Qual a consequência dessas bolhas?
Os financiamentos de projetos podem ser reduzidos. Não se tem capacidade de distribuir tudo. E aí me parece que essa bolha uma hora vai estourar. Ou a gente diminui e pensa de uma forma mais coerente, ou essa bolha vai estourar e uma série de financiamentos poderá ter fim.
Há uma guerra de bastidores que estúdios e distribuidoras travam com a Netflix. É uma briga por mercado, que tem como pano de fundo a mudança na experiência de ver filmes – antes na sala de cinema, agora também em casa. Como você vê o streaming no mercado de cinema?
Era uma entrada que ocorreria, evidentemente. Não havia como não acontecer isso. A Netflix é um player importante. Faz coisas interessantes em termos de financiamento, mas ao mesmo tempo faz coisas que não considero tão boas. Não me parece que a Netflix ajuda a formar plateia. Pelo contrário. Do jeito que os filmes são colocados na prateleira frontal do serviço, deseduca o público. Você não acessa os clássicos e não apresenta produções que são relevantes na formação de qualquer cinéfilo. Acho que a Netflix está para o cinema assim como o Walmart está para o mercado de supermercado no mundo. Tem um excesso de produto, e não necessariamente o bom está na frente.
A tendência agora é que o mercado de streaming seja diluído com novas plataformas da Disney, Apple, entre outras. Como você vislumbra esse cenário?
Acho que a competição é bem-vinda. Vai ter um que vai fazer o serviço premium, outro que vai fazer um serviço sem foco, outro mais nichado, outro mais popular. Sou totalmente a favor de competição.
Com a ascensão da figura do showrunner no audiovisual (responsável pelas séries de TV), você já pensou em enveredar para a televisão? Está nos seus planos?
Vou fazer a produção executiva para séries. Ou seja, já estou enveredando! Há um monte de coisas rolando. Está no meu radar, sim.
Com quem você não trabalhou e gostaria de trabalhar?
Adoraria trabalhar com o Spielberg. Quem sabe um dia...
E o que aconteceu com o filme Sweet Vengeance, que você produziria com o diretor Brian de Palma?
Não conseguimos encontrar um casting para fazer o filme acontecer. Está engavetado. Por enquanto...