A primeira impressão sobre Imagem e Palavra, filme de Godard que estreia nesta quinta-feira (14/3) nos cinemas, pode ser a de mais do mesmo. E é. Desde o monumental História(s) do Cinema (1999), o cineasta recicla algumas ideias (a colagem de registros antigos, um ensaísmo radical e antidramático) em filmes que parecem reafirmar o propósito de sua obra-prima de 20 anos atrás: a despeito da possibilidade infinita de criar narrativas a partir da fragmentação e da sobreposição de imagens, uma característica da contemporaneidade, há uma crise advinda justamente do excesso — como se tudo já tivesse sido organizado e reorganizado, esgotando as possibilidades de discurso.
É aí que entra a pertinência do novo longa, o primeiro do realizador após o apocalíptico Adeus à Linguagem (2014).
Imagem e Palavra é dividido em capítulos de cerca de 10 a 15 minutos cada, todos contendo colagens com clássicos (d'Os Nigelbundos de Fritz Lang e Freaks de Tod Browning a Paisá de Rossellini e Johnny Guitar de Nicholas Ray, entre dezenas de outros), cenas amplamente conhecidas (a bomba atômica, a matança da II Guerra Mundial) e outras banais (animações, fotografias e vídeos caseiros). Talvez não haja, em toda a sua filmografia, um retrato tão gráfico do terror como na primeira parte da trama. Contudo, o mestre das descontinuidades temporais (elas foram a base de Acossado, o mais moderno dos filmes da alvorada da modernidade no cinema) se faz ver nos cortes que quebram o tempo da narrativa justamente nos momentos em que o choque está prestes a ocorrer. Mais do que isso, a própria associação entre as imagens impõe, para o espectador, uma sensação do interdito: o bico dos aviões a carregar bombas é sobreposto ao Tubarão de Spielberg, como se o registro fosse nada além dele próprio, à semelhança de tantos outros registros, disponível para qualquer discurso, independentemente do que já significou em outros momentos.
É uma reflexão sobre a imagem como representação — capaz de, sendo reciclada, recriar a própria História.
A "palavra" do título, portanto, nada mais é do que essa capacidade de escritura que é própria de cada uma das imagens — clássicas ou banais. É por isso que Godard retrabalha suas texturas, ora estourando cores, ora desidratando-as. Até depois do horror absoluto pode haver redenção, ele indica, conforme os capítulos vão se sucedendo e o tom passa a ser (um pouco) menos desesperançoso. Uma imagem que antes era associada ao fim pode muito bem ser ressignificada como outra coisa, quem sabe até o início de algo. É uma era da pós-imagem, na qual tudo, no fim das contas, é montagem.
Um aspecto importante é o fato de que os trechos finais de Imagem e Palavra se concentram em representações do chamado mundo árabe. "No Oriente, todos são filósofos. Porque têm mais tempo para refletir", diz o cineasta, em voz over, já na última parte da narrativa. Nesse ponto, as imagens contêm ainda mais intervenções — há algumas tão coloridas que parecem borrões e outras com os próprios movimentos manipulados, incluindo pulos, como se houvesse cortes dentro de um mesmo plano (descontinuidade na continuidade). O discurso antes esgotado, destruído (o horror!), ressurge de modo onírico, em uma reinvenção do próprio tempo. Prossegue o diretor-narrador: "Como treinávamos nossos pensamentos antes? Partíamos do sonho". Há alguma aleatoriedade na sucessão de imagens do sonho, e é em busca dela que o cineasta está. Vai encontrá-la no Oriente, onde "não há a recusa de se autoconhecer" e, portanto, não há "a morte da linguagem".
Faz todo o sentido que Imagem e Palavra venha na sequência de Adeus à Linguagem: para Godard, depois da morte, vem o ressurgimento — graças à força persistente das imagens.
Imagem e Palavra
De Jean-Luc Godard
Ensaio. França/Suíça, 2018, 84 minutos, 16 anos.
Em Porto Alegre, em cartaz no Espaço Itaú.