Após uma década de morosas obras de reforma e restauro, o antigo Cine Theatro Capitólio ressurgiu do abandono em março de 2015 como uma das joias culturais e patrimoniais de Porto Alegre. Sob a denominação Cinemateca Capitólio Petrobras, referente à formatação de guarda e preservação de filmes que incorporou e à empresa que bancou seu ressurgimento, o cinema localizado na esquina da Borges de Medeiros com a Demétrio Ribeiro completa nesta sexta-feira 90 anos de luzes na vida da Capital.
Para celebrar, a sala, uma das raras “de calçada” que sobrevive no Brasil, apresenta a partir uma programação especial, que sublinha o talento e o jogo de cintura da curadoria que colocou a sala gaúcha em posição de destaque na cinefilia nacional — lidando no dia a dia com recursos que mal cobrem seus custos de operação, isso quando cobrem. Começa com a sessão, às 21h desta sexta, do mesmo filme que iluminou o Capitólio em 12 de outubro de 1928: Casanova (1927), produção francesa dirigida pelo russo Alexandre Volkoff e estrelada pelo ator russo Ivan Mosjoukine. Marco do período silencioso do cinema, foi a primeira grande adaptação das aventuras do sedutor italiano Giacomo Casanova e apresenta uma temperatura erótica ainda hoje ousada.
A partir de sábado (13), com ingresso a R$ 10 (R$ 5 para estudantes e maiores de 60 anos), a programação traz 10 clássicos que também comemoram 90 anos em 2018: entre eles, A Turba, de King Vidor, A Paixão de Joana d’Arc, de Carl Theodor Dreyer, O Homem das Novidades, de Buster Keaton e Edward Sedgwick, O Circo, de Charles Chaplin, e Vento e Areia, de Victor Sjöström. Veja aqui a programação.
Olhar atento no passado e no presente é a linha curatorial de Leonardo Bomfim, responsável pela programação. Segunda-feira (15), às 19h30min, será realizada uma sessão de Djon África (2018), coprodução entre Portugal, Brasil e Cabo Verde, seguida de debate com o diretor Miller Guerra e o ator Miguel Moreira. Na terça (16), estreia na sala o drama húngaro Um Dia, de Zsófia Szilágyi, premiado na Semana da Crítica do Festival de Cannes de 2018.
Quando foi reaberto, em 2015, o Capitólio se viu em meio ao processo de transição da tecnologia analógica para a digital, que tirou de circulação a centenária película 35mm.
— Foram dois anos funcionando de forma quase desesperada — diz Bomfim. Fizemos uma pesquisa de filmes em 35mm para poder exibir. Foi um sufoco. Não dá para dizer que a programação tinha um perfil. Ainda assim, foi possível oferecer sessões memoráveis, como na noite de reabertura, quando se reexibiu o primeiro longa gaúcho, Vento Norte (1951), de Salomão Scliar, e uma mostra do iraniano Abbas Kiarostami.
Em 2017, com a instalação do projetor DCP, novo padrão da indústria cinematográfica, o Capitólio engrenou a programação que mescla lançamentos de filmes brasileiros e estrangeiros, títulos raros, mostras de clássicos e festivais temáticos. O projetor de filmes 35mm ainda é acionado em ocasiões especiais, para deleite dos mais nostálgicos.
- A gente tem a preocupação de fazer com que os filmes brasileiros em lançamento sejam exibidos aqui. Filmes que antes não chegavam em Porto Alegre porque não interessavam às salas comerciais agora têm espaço no Capitólio — destaca Bomfim.
A Cinemateca Capitólio é gerenciada pela Coordenação de Cinema Vídeo e Fotografia da Secretaria Municipal da Cultura, responsável pelas despesas com manutenção e o salário dos funcionários, do quadro e terceirizados . A exibição de filmes só é possível graças às parcerias. Uma delas é a negociação com distribuidoras, cujo pagamento compromete 50% da bilheteria da sala — os outros 50% são destinados ao Fundo Pró-Cultura de Porto Alegre. Sessões especiais são realizadas graças ao apoio da Petrobras. São apresentadas, em média, três sessões diárias, de terça a domingo, atraindo a cada mês mais de três mil espectadores.
Luciano Alabarse, secretário municipal da Cultura, ressalta que a equipe qualificada levou o Capitólio a ser uma referência nacional.
— Um cinema de calçada como o Capitólio é raro não só no Brasil, mas no mundo — ressalta Alabarse;
Sobre eventuais atrasos nos pagamentos de funcionários terceirizados e fornecedores, o secretário comenta:
— Dificuldades financeiras fazem parte de toda a área cultural nesse momento. Se atrasa algum pagamento, vamos na (secretaria da) Fazenda e explicamos a importância da sala. A cultura é estratégica para a formação dos cidadãos, mas sempre esteve sob mau tempo. É sempre uma batalha, um movimento de resistência.
A proposta de fazer do Capitólio guardião da memória audiovisual gaúcha resulta em um acervo ainda acanhado: 25 cópias de produções locais, entre elas Verdes Anos (1984), de Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, Anahy de las Misiones (1997), de Sérgio Silva, e O Homem que Copiava (2003), de Jorge Furtado.
— Precisamos de muito mais. Queremos trazer para cá tudo o que for possível do cinema gaúcho que está espalhado por aí. O Capitólio não é só uma sala. É um espaço de memória do cinema — afirma Marcus Mello, ex-coordenador de Cinema Vídeo e Fotografia da SMC e atual assessor técnico do Capitólio.
Ao sediar importantes festivais da América Latina, como o É Tudo Verdade (documentários) e o Fantaspoa (cinema fantástico), o Capitólio reúne diretores, roteiristas e atores de diferentes países. Em um desses encontros, Marcus Mello, ex-coordenador de Cinema Vídeo e Fotografia da SMC e atual assessor técnico do Capitólio, testemunhou a surpresa da multiartista americana Meredith Monk diante do prédio histórico. Amiga de Martin Scorsese, ela disse que o célebre diretor, reconhecido por seu interesse na preservação da memória do cinema, precisava conhecer a sala.
— Porto Alegre precisa se orgulhar. Poucas cidades no mundo têm um cinema dos anos 1920 funcionando. A maioria já virou shopping ou estacionamento — diz Mello.
* Colaborou Karine Dalla Valle