Quando adolescente, Luiz Carlos Lisboa ia a pé direto do colégio para o cinema Capitólio, sem sequer passar em casa para tirar o uniforme. Hoje, ele chega de táxi, usa camisa xadrez, chapéu e bengala, mas o hobby segue exatamente o mesmo. Também permanece inalterada sua paixão pelo prédio rosado em estilo eclético na esquina da Avenida Borges de Medeiros com a Rua Demétrio Ribeiro, no centro de Porto Alegre.
— Não tem cinemateca no Brasil tão bonita quanto o Capitólio — garante Lisboa.
O jornalista completou em março a mesma idade que o cinema faz nesta sexta-feira (12): 90 anos. Além de frequentador há mais de sete décadas, tornou-se o maior doador do acervo do espaço, que é hoje um centro cultural dedicado ao audiovisual. A equipe do arquivo estima que Lisboa entregou mais de mil obras, entre livros sobre cinema e teatro e discos.
Luiz Carlos Lisboa é testemunha de que é possível voltar ao passado entrando no Capitólio. Mas quem conhece hoje a sala de cinema, com capacidade para 164 pessoas, não imagina que o espaço chegou a ter 1,5 mil lugares na década de 1930, conta a arquivista Rosemeri Iensen. Edifício projetado pelo arquiteto e engenheiro italiano Domingos Rocco, o Capitólio tinha palco, plateia e duas galerias superiores em forma de ferradura. Além da exibição de filmes, chegou a receber peças teatrais, concursos de miss e até bailes de Carnaval.
Mas o espaço amargou fases que Lisboa preferia nem lembrar, como quando passou a exibir filmes pornográficos.
— A gente até sofria, porque todos tinham recordações daqui.
O cinema fechou as portas em 1994, e o prédio foi declarado patrimônio histórico em 1995. Depois de mais de uma década de obras que pareciam infindáveis, a reinauguração ocorreu em 2015, com o nome Cinemateca Capitólio Petrobras.
Uma exposição alusiva ao aniversário do espaço, aberta na galeria do térreo da cinemateca a partir desta sexta, mostra fotos de todas essas épocas. Há imagens da construção e outras que mostram que o prédio foi um dos maiores da região no passado. O convite para a inauguração, publicado no jornal A Federação, em 11 de outubro de 1928, foi reproduzido. O anúncio diz: "Com belíssimo filme Casanova, do programa Serrador, abrirá amanhã suas portas ao público, o elegante e confortável Cine-Theatro Capitólio". O mesmo filme voltará a ser exibido hoje na tela do cinema.
Ex-bilheteira e vizinha apaixonada
O primeiro registro na carteira de trabalho de Marta Regina da Rosa, 70 anos, leva o nome do Capitólio. E isso é motivo de tamanho orgulho para a aposentada que ela pretende carregar o documento quando participar da programação especial de aniversário nesta sexta.
— Tá lá na minha carteira, bem velhinha, linda e maravilhosa. Foi meu primeiro trabalho com carteira assinada, e, para mim, isso é uma marca. É minha história — conta ela.
Marta trabalhou na bilheteria do cinema entre as décadas de 1970 e 1980. Assim que começava a sessão, ela fechava a bilheteria e ia correndo assistir aos filmes também. Viu obras como Noviça Rebelde e ...E o Vento Levou — a fila para o filme estrelado por Clark Gable dobrava a esquina.
— Hair ficou oito semanas, eu assistia todos os dias — lembra.
Marta não é grande fã de cinema em shopping e conta que não se adaptou a modernidades como o 3D. O Capitólio segue sendo seu cinema favorito da Capital, o que é também conveniente, visto que mora em um prédio ao lado.
— Me sinto em casa. Tenho até carteirinha VIP — ressalta.