Por Alice Dubina Trusz
Historiadora, autora de "Entre Lanternas Mágicas e Cinematógrafos: as Origens do Espetáculo Cinematográfico em Porto Alegre (1861-1908)"
Neste mês de outubro, comemoramos os 90 anos do antigo Cine-Theatro Capitólio, cujo edifício sedia hoje a Cinemateca Capitólio Petrobras. Em outubro de 1928, quando foi inaugurada a grandiosa sala de cinema, situada na esquina da Rua Demétrio Ribeiro com a atual Avenida Borges de Medeiros, esta última era apenas um projeto. Sob a administração de Otávio Rocha (1924-1928), Porto Alegre passava por um amplo processo de remodelação urbanística, marcado por obras viárias de vulto e intervenções arquitetônicas e sanitárias que modificariam a dinâmica do viver na cidade. A abertura da Borges (1927-1935) foi uma das principais metas de sua administração, ligando o porto ao sul da cidade, melhorando o tráfego de veículos e descongestionando a circulação dos bondes. Nesse contexto, a construção do Capitólio já foi empreendida tendo em vista a futura valorização imobiliária da região.
Projetado e executado pelo arquiteto e engenheiro italiano Domingos F. Rocco, o Capitólio era um cine-theatro, ou seja, apresentava tela, palco, plateia e duas galerias superiores em forma de ferradura, e uma programação que alternaria, ainda que ocasionalmente, projeções de filmes e atrações artísticas ao vivo. Com dependências sofisticadas e decoração luxuosa, tinha capacidade para 1.295 espectadores sentados.
Localizado em um dos pontos mais concorridos da então Cidade Baixa, o prédio ganhou destaque pela sua arquitetura e destinação desde a inauguração, sendo valorizado pelos poderes públicos pela colaboração que trazia para o "embelezamento" da cidade em modernização e pelo "estímulo" que constituía para a construção de edifícios congêneres no entorno da futura avenida. O proprietário do cinema, o italiano José Faillace, capitalizado negociante local, inclusive solicitou e obteve das autoridades isenção de impostos por dois anos para a exploração do seu novo negócio em razão dos aspectos acima elencados e do atraso na abertura da via.
O Capitólio veio se somar a outros majestosos cinemas de rua distribuídos pela cidade na época, em diferentes bairros, consolidando um processo de descentralização iniciado ainda em 1911, que permitiria acesso ao cinema a um público amplo e socialmente heterogêneo. Nos anos 1920, o cinema participava da dinâmica da vida social dos porto-alegrenses como uma de suas principais formas de diversão, mas também como uma paixão orientada pelo culto crescente da sétima arte.
O Capitólio rapidamente se estabeleceria como espaço de sociabilidade e lazer, atraindo a classe média. Além de projetar filmes, o cinema também sediaria eventos, como sessões beneficentes, peças teatrais, exposições artísticas, projeções solenes, concursos de misses e concorridos bailes de Carnaval. Ao longo de sua história, conheceu períodos de sucesso e de crise. Renovou-se e aumentou a sua capacidade de público (1935), trocou de arrendatário e de nome (1969), mudou seu estatuto, de cinema de bairro (1941) para cinema do centro (1984), mudou sua programação, enfrentando a degradação do centro, o surgimento de outras mídias, espaços e opções de lazer.
Em 1988, num último suspiro, o Capitólio fechou para melhorias, reabrindo com nova iluminação externa, tela lavada, banheiros reformados, tapetes trocados, nova aparelhagem de projeção e som e sistema de ventilação. A sala revigorada tornou-se uma novidade, sobretudo para as novas gerações. As sessões noturnas, com projeções de filmes de arte, tornaram-se concorridas. Mas também o Capitólio terminaria seus dias exibindo filmes pornográficos, antes de fechar definitivamente, sucateado, em 30 de junho de 1994.
Assim, a história do Capitólio também é representativa da história de outros cinemas de rua da cidade e do mundo, que passaram por períodos de glória, decadência e abandono. Seu diferencial está em ter tido sua importância como lugar de memória reconhecida, tornando-se objeto de um processo de patrimonialização. Iniciado em 1995, quando a prefeitura da Capital tombou o prédio do cinema, tornando-o patrimônio cultural municipal, e a seguir o adquiriu junto à família Faillace, o processo ganhou diferentes e decisivos parceiros no seu transcurso, reunindo a comunidade vizinha, representada pela Associação dos Amigos do Cinema Capitólio (Aamica), a prefeitura/Secretaria Municipal da Cultura, a Associção dos Profissionais e Técnicos Cinematográficos (APTC/RS) e a Fundação Cinema RS (Fundacine). Tal soma de esforços, fundada no patrocínio da Petrobras via Lei Rouanet e no apoio técnico da Cinemateca Brasileira, daria consistência ao projeto de transformação da antiga sala em cinemateca em 2005. Em 27 de março de 2015, o espaço foi reaberto ao público restaurado e adaptado para ser, além de uma sala de exibição, um lugar de preservação da memória audiovisual gaúcha.
Restaurado e convertido em espaço cultural, o antigo Cine-Theatro Capitólio, atual Cinemateca Capitólio Petrobras, concentra hoje uma parcela da nossa história, representando uma série de outros espaços e práticas culturais já desaparecidos, mas que contribuíram historicamente para a construção de nossa identidade cultural. Ao recuperar a vocação original do espaço como sala de exibição, tornando-o igualmente um local destinado à preservação, à pesquisa e à difusão de nossa memória audiovisual, a iniciativa fomenta o necessário diálogo entre o passado, o presente e o futuro, condição para que possamos nos repensar e reinventar constantemente.