O cinema brasileiro vive, neste século 21, uma de suas fases mais prolíficas e vigorosas, produzindo longas-metragens em quantidade até então inédita (mais de 150 só no ano passado) e de qualidade internacionalmente reconhecida. Paradoxalmente, o mercado exibidor se fechou de uma maneira poucas vezes vista — alguns dos melhores filmes nacionais são solenemente ignorados pelos grandes distribuidores e exibidores, ficando confinados a salas de nicho cujo alcance nem sempre faz jus ao seu potencial.
A situação em outros países da América Latina não é muito diferente, razão pela qual a política de atuação do CineBancários é duplamente pertinente: ao escolher apresentar seleções de títulos brasileiros e latino-americanos, transformou-se em um espaço de resistência sem o qual grande parte tanto da produção nacional quanto da dos países vizinhos ficaria inexoravelmente relegada à invisibilidade.
Pois, neste mês em que está completando 10 anos, a sala da histórica Rua da Ladeira, no centro de Porto Alegre, comemora pedindo ajuda: lança na quinta-feira (4), em sessão comentada do premiado A Garota do Calendário (2017), o Clube CineBancários, projeto de financiamento coletivo contínuo que convida os cinéfilos a fazerem doações e, em troca, concede benefícios. Trata-se de uma iniciativa que visa à própria manutenção do espaço, que corre risco de fechamento devido à crise do Sindicato dos Bancários, sua entidade mantenedora.
— Há dificuldades financeiras impostas aos sindicatos pela Reforma Trabalhista aprovada no ano passado — explica a programadora Bia Barcellos. — Com a redução das receitas, o sindicato está com dificuldades para bancar, sozinho, os custos da sala. A ideia é trazer o público para participar do esforço para a sua manutenção. O CineBancários, afinal, é de toda a cidade.
E é mesmo. Nesses 10 anos, foram 113 mil espectadores em mais de 200 lançamentos de filmes brasileiros ou latino-americanos, festivais, pré-estreias e debates com estrelas como Denise Fraga, Irene Ravache e Malu Mader, sessões memoráveis como a de Joaquim (2016), com o diretor Marcelo Gomes e os atores Isabel Zuáa e Julio Machado, e a de Que Horas Ela Volta? (2015), com as atrizes Karine Teles e Camila Márdila. Certo dia, após uma das exibições deste último — que aborda as relações de classe a partir da história de uma empregada doméstica e sua filha —, uma espectadora procurou Bia Barcellos à saída da sala.
— Essa espectadora era ela própria uma doméstica. Me disse, com lágrimas nos olhos, que aquele filme iria mudar a vida dela — lembra a programadora, que antes trabalhou na Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro, mantida pela Secretaria de Cultura da Capital.
Um diferencial de Porto Alegre
A casa do cinema brasileiro em Porto Alegre se tornou parte importante do circuito do Centro Histórico, que conta com a Cinemateca Capitólio Petrobras, o Cine Santander e a Cinemateca Paulo Amorim e que — os cinéfilos esperam — voltará a ter a P.F. Gastal. Além da programação alternativa ao circuito de shoppings, esses espaços oferecem sessões com ingressos mais baratos — e, em tempos de projeção digital, com qualidade que nem sempre fica para trás na comparação com o que se vê nos multiplexes.
É esse “outro lado” da cinefilia — um diferencial da cidade no contexto nacional — que precisa resistir. Onde mais, afinal, o público veria um filmaço como Era o Hotel Cambridge (2016), sobre a ocupação de um prédio abandonado, e depois o discutiria com o ator José Dumont? Em Porto Alegre, na sala que integra-se à cidade de tal modo que, ao seu lado, nesse dia, era possível deixar a sessão comentada e dar de frente com... a ocupação de um prédio abandonado, batizada Lanceiros Negros.
O espectador que frequenta o CineBancários tem a sensação de ver a história do país e do cinema nacional contemporâneo se construindo aqui e agora, a partir do que está na tela e de todo o contexto da vida real fora da sala.
Como funciona
- O Clube CineBancários é um projeto de financiamento coletivo contínuo na plataforma Apoia-se.
- Os colaboradores podem contribuir mensalmente, com valores entre R$ 10 e R$ 40.
- Em contrapartida, receberão benefícios como ingressos gratuitos e informações antecipadas da programação.
- Saiba mais em apoia.se/clubecinebancarios.
O Lançamento
- O Clube CineBancários será lançado na quinta-feira (4), a partir das 19h.
- Às 20h, está prevista uma sessão comentada do filme A Garota do Calendário, que está em cartaz na programação regular, com as presenças da diretora Helena Ignez e da atriz Djin Sganzerla.
- O CineBancários fica na Rua General Camara, 424, telefone (51) 3433-1204.