Em uma leitura apressada, Benzinho poderia parecer a versão para o cinema da música No Dia Que Saí de Casa, de Zezé di Camargo & Luciano, contada pelo ponto de vista da mãe (“Eu sei que ela nunca compreendeu/Os meus motivos de sair de lá”). Mas o filme que estreia nesta quinta-feira (23) nos cinemas tem nuanças que vão além da síndrome do ninho vazio, aquela tristeza que acomete os pais quando os filhos vão embora de casa. É, essencialmente, uma história sobre a exaustão emocional de uma mulher.
Exibido na mostra competitiva nacional do 46º Festival de Cinema de Gramado e candidato a Kikitos na premiação de sábado, Benzinho é dirigido por Gustavo Pizzi e estrelado por Karine Teles (de Que Horas Ela Volta?). Os dois, que trabalharam juntos em Riscado (2010) e já foram casados, assinam o roteiro. A história do longa surgiu a partir do nascimento de seus filhos gêmeos, Arthur e Francisco, ambos no elenco da produção.
— Benzinho tem uma coisa muito pessoal, sem ser biográfico. Ele parte de experiências nossas, de um jeito de entender e ver o mundo. Com os nascimentos dos meus filhos, comecei a pensar em como teria sido para os nossos pais quando saímos de casa — diz Gustavo.
Na trama, Irene (Karine) mora com o marido Klaus (Otávio Müller) e seus quatro filhos em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Ela se desdobra para dar atenção a todos, o que inclui os empreendimentos fracassados do parceiro e também o relacionamento abusivo que sua irmã Sônia (Adriana Esteves) sofre com o marido, Alan (César Trancoso). Porém, o golpe vem mesmo quando o primogênito de Irene, Fernando (Konstantinos Sarris), é convidado para jogar handebol na Alemanha. A personagem, que está se formando no supletivo e trabalha como sacoleira, é um mosaico de mães.
— É um pouco minha mãe, é a mãe da Karine. A mãe do meu amigo que cresci junto. A mãe de qualquer pessoa que batalha para manter a casa funcionando, que trabalha fora se virando da maneira que dá, que cuida das crianças e faz comida, e tem uma ajuda meio torta do marido. Essa ajuda torta é aquela de todos os homens, que não dividem com as mulheres as tarefas, deixando uma carga muito pesada para elas. Irene é essa mulher — explica Gustavo.
Sobrecarga física e emocional
Karine complementa:
Aprendo todo dia a ser mãe. Não nasci sabendo dessas coisas porque sou mulher. Se a gente aprende, os homens também aprendem. Podem aprender a amar, cuidar e educar uma criança.
KARINE TELES, PROTAGONISTA DE "BENZINHO"
— Na grande maioria das famílias, a mulher é a única responsável pela segurança emocional, quando não é também responsável pela segurança financeira, pelo cuidado da casa e das crianças. Ninguém fala sobre isso. Vemos que é um trabalho menosprezado, quase invisível. Queríamos contar essa história quase banal, do filho que vai sair de casa, mas a direção do Gustavo consegue ampliar essa questão e sentir a complexidade de confusão e sentimento da vida de uma mãe. Não dá nem tempo para ela sofrer. Aprendo todo dia a ser mãe. Não nasci sabendo dessas coisas porque sou mulher. Se a gente aprende, os homens também aprendem. Podem aprender a amar, cuidar e educar uma criança.
Adriana Esteves acrescenta:
— Klaus se vê como provedor, o homem que sustenta a família. Ele está muito ocupado em trazer um resultado que, talvez, não precisaria se não estivesse em uma sociedade machista.
Benzinho destaca ainda o tema da violência doméstica.
— No nosso país, não tem como falar de universo feminino sem falar de violência contra a mulher. É um problema muito grave. Na hora de escrever o roteiro, fizemos questão de jogar luz sobre isso — comenta Karine.
A ciranda de situações levará Irene à exaustão.
— Antes de rodarmos a cena em que Irene desaba no chão, gritando histericamente, homens no set questionaram se aquela sequência não seria exagerada. Todas as mulheres presentes na gravação disseram que era daquele jeito mesmo que se sentiam — lembra Karine, que se sobressai em sua interpretação, com expressões que refletem as múltiplas emoções da personagem.
Benzinho se ampara em planos fixos que permitem ao espectador adentrar na casa daquela família e testemunhar seus diferentes dramas. As residências, aliás, são como personagens.
A casa da família de classe média tem muitos problemas, como porta que não abre e parede rachada. Eles têm uma casa de praia em Araruama (RJ), que o marido, contra a vontade de Irene, insiste em vender para financiar seus empreendimentos. E há uma terceira casa, inacabada, construída aos poucos e à espera de um investimento definitivo.
Essas residências podem ser vistas como metáforas da instabilidade familiar: o lar prestes a ruir, que é razão de discórdia e simboliza um futuro incerto, mas que precisa ser construído para Irene seguir em frente.