Nico costuma ser lembrada como nota de rodapé na história da cultura pop, associada a figuras de maior fama como o artista plástico Andy Warhol e o grupo de rock vanguardista The Velvet Underground – parceiros que projetaram à fama, nos anos 1960, a modelo, cantora e atriz alemã Christa Päffgen (1938 – 1988). E se tinha algo que deixava Nico desgostosa, ao ponto de explodir em fúria e sarcasmo diante de um interlocutor, era isso: ser lembrada, décadas depois, como um bibelô de seus ex-companheiros.
Nico, 1988, cinebiografia que estreia amanhã na Cinemateca Capitólio, destaca esse desconforto da artista em seus dois últimos anos de vida. A cantora é apresentada pela diretora italiana Susanna Nicchiarelli em meio a uma acidentada turnê pela Europa. Nico promovia à época o álbum Camera Obscura (1985), no qual ressaltava a sonoridade experimental, gótica e multicultural que consagrou com sua voz grave – tornada ainda mais sombria e melancólica pelo tempo e pelos excessos químicos e etílicos.
A cada parada para se apresentar em pequenos clubes, imprensa e público seguem fixados em seus dias pregressos. E Nico insiste: “Não quero falar sobre isso, minha carreira musical começou após o Velvet Underground”. Ou: “Só fiz três músicas com eles, passei a maior parte do tempo no canto do palco tocando pandeiro”.
Em vez do caminho recorrente das cinebiografias que resultam superficiais na ambição de radiografar por completo o homenageado, Nico, 1988, produção ganhadora da mostra Orizzonti do Festival de Veneza em 2017, apresenta em seu recorte cronológico uma personagem consistente e dramaturgicamente rica. Muito por conta da performance da atriz dinamarquesa Trine Dyrholm. A própria Trine canta faixas emblemáticas que Nico preservava no repertório, como All Tomorrow’s Parties, do Velvet, e These Days, canção de Jackson Browne que gravou em seu primeiro disco solo, Chelsea Girl – ambas de 1967.
O filme não menciona, mas é interessante o espectador desavisado saber que Nico despontou ainda adolescente como modelo nas passarelas e capas de revistas. No começo dos anos 1950, percorreu o circuito Berlim-Paris-Londres-Nova York. Estreou no cinema como figurante em A Doce Vida (1960), de Fellini – nos anos 1970, trabalharia em longas do diretor francês Philippe Garrel. Assim que a conheceu, Andy Warhol fez de Nico musa e estrela de seus filmes experimentais e a escalou para integrar o grupo que gravou, em 1967, o antológico disco The Velvet Underground and Nico, ao lado de Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison e Maureen Tucker. Ao longo da narrativa, esse passado é ilustrado por imagens de arquivo, de fontes como os documentários Walden (1969) e Scenes From the Life of Andy Warhol (1982), ambos de Jonas Mekas.
“Eu não era feliz quando era bonita”, diz Nico no seu autodestrutivo presente, arrastando o peso de traumas e fantasmas. Um deles é representado pelo filho que teve com o galã francês Alain Delon – nunca reconhecido pelo ator. E por ironia do destino, Nico foi morrer de forma estúpida justamente em um raro instante solar que vivia em anos. Durante um temporada de férias com o problemático rapaz, em Ibiza, na Espanha, caiu da bicicleta, bateu a cabeça e sofreu uma hemorragia cerebral.