Ao chegar para o jantar na casa de sua colega de trabalho, a jornalista Maria (Fabiana Gugli) tem um mau pressentimento:
– Olha só essa mesa. Oito lugares. Isso aqui é uma cilada!
O Banquete realmente apresenta uma armadilha na forma de um jantar em que todos os convidados à mesa estão envoltos em intrigas e tensões sexuais. Com uma narrativa intensa e amparada pelo diálogo, o drama que chega aos cinemas nesta quinta-feira é o segundo filme solo da cineasta Daniela Thomas – antes, ela dirigiu Vazante (2017) e participou de projetos em parceria com Walter Salles (Terra Estrangeira, de 1995; Linha de Passe, de 2008) e Felipe Hirsch (Insolação, de 2009).
Na trama, ambientada no começo dos anos 1990, Nora (Drica Moraes) propõe um inusitado banquete para celebrar o aniversário de casamento de Mauro (Rodrigo Bolzan), editor da revista na qual ela trabalha, e da atriz Bia Moraes (Mariana Lima). Outros dois colegas também foram convidados para o jantar: Maria, que teve uma relação mal resolvida com Mauro, e o colunista social Lucky (Gustavo Machado). Também surge para a refeição uma modelo que se apresenta como Cat Woman (Bruna Linzmeyer) e Claudinha (Georgette Fadel), assistente de Bia. Embriagado e perdido na mesa está o advogado Plínio (Caco Ciocler), marido de Nora e amigo de Mauro. Servindo os convidados, Ted (Chay Suede) é espectador da tragicomédia de costumes que se desenrola naquela noite.
Em meio ao banquete, o ditado "a bebida entra, a verdade sai" se faz presente. As conversas despretensiosas e com viés filosófico sobre erotismo e comportamento aos poucos dão espaço a revelações sobre as infidelidades dos presentes. Logo, todos os podres são escancarados. Daniela destaca uma dinâmica decadente de poder entre homens e mulheres, utilizando o sexo como moeda.
A tensão é constante também pelo risco de Mauro ser preso ainda naquela noite. Na revista do dia seguinte, ele assina uma carta aberta contra o presidente do país – fato inspirado em um acontecimento real, no qual Otávio Frias Filho (1957 – 2018), então diretor de redação do jornal Folha de S. Paulo, publicou editorial denunciando a perseguição que o jornal sofria do então presidente Fernando Collor de Mello.
Com a narrativa desenrolando-se em tempo real e utilizando planos fechados nos rostos dos atores, O Banquete é moldado em diálogos e atuações intensas de seu elenco – destaque para a vigorosa performance da atriz Drica Moraes –, remetendo ao clima de uma peça de teatro. Aliás, o roteiro do filme foi escrito, há mais de 20 anos, para os palcos, mas não chegou a ser encenado.
Filme foi retirado de competição em gramado
Filha do cartunista Ziraldo, um dos fundadores do semanário O Pasquim, Daniela Thomas cresceu em uma casa pela qual circulavam escritores, jornalistas, desenhistas, atores, músicos, cineastas. A diretora ressalta que não houve um banquete específico que tenha inspirado a trama do filme, mas vários.
– Inúmeros e nenhum em particular, tudo ao mesmo tempo. Pesquei uma infinidade de tiradas, ironias, agressões, seduções que testemunhei em inúmeras reuniões e jantares e misturei com minha memória do Banquete, de Platão, e do Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos. A personagem Nora é meio Merteuil (personagem ardilosa e manipuladora do livro Ligações Perigosas) ou pelo menos deseja ser. Ao fim, criei livremente, sem me preocupar com referências à vida real. Tive o privilégio de contar com atores/autores que melhoraram todos os diálogos, nas duas semanas de discussões e ensaios – explica a diretora.
O Banquete estava previsto para estrear na mostra competitiva do 46º Festival de Cinema de Gramado, em agosto. No entanto, com a morte de Otávio Frias Filho em 21 de agosto, dia anterior à exibição do longa-metragem no evento, Daniela Thomas achou prudente retirá-lo do festival. Afinal, o personagem Mauro é inspirado, em parte, em Frias – que, além de diretor de redação e jornalista, era escritor, autor de teatro e foi namorado da atriz Giulia Gam. Na trama do filme, Mauro atropela todos os escrúpulos sempre que lhe convém.
– Em respeito ao luto da família e dos amigos, achei que seria inapropriado possibilitar esse encontro entre ficção e realidade e as possíveis interpretações equivocadas que esse cruzamento poderia suscitar – destaca Daniela.
O BANQUETE
- De Daniela Thomas. Drama, 14 anos. Brasil, 2018, 124min.
- COTAÇÃO: 4 de 5 estrelas.
- Salas e horários: Espaço Itaú 2 (13h30, 17h30, 21h30) e Guion Center 2 (13h50, 17h35, 21h20).