Morreu nesta terça-feira (21), aos 61 anos, o advogado, jornalista e escritor Otavio Frias Filho, diretor de Redação do jornal Folha de S. Paulo. Segundo o jornal, ele estava internado no Hospital Sírio Libanês, na capital paulista, e lutava desde 2017 contra um câncer originado no pâncreas.
Natural de São Paulo, Otavio Frias Filho era bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e também cursou pós-graduação em Ciências Sociais. Ele esteve à frente da Folha de S. Paulo por 34 anos, tendo assumido a direção de redação em 1984, aos 26 anos.
Foi o responsável por consolidar o "Projeto Folha", conjunto de medidas editoriais que estabeleceu normas de escrita e conduta do jornal e que é considerado um dos marcos da imprensa brasileira. Esses princípios nortearam também o Manual da Redação, lançado em 1984, o primeiro livro do gênero colocado à disposição do público.
— Ele criou na Folha um novo jornalismo, inovador e corajoso, que serviu de exemplo para várias empresas do setor. Uma grande perda para todos — afirmou o diretor-presidente do jornal O Estado de S. Paulo, Francisco Mesquita Neto.
Frias Filho assumiu a chefia do jornal no início dos anos 1980, no período da campanha "Diretas Já", quando teve papel crítico ao regime militar. Defendia a tese de que cabia ao jornalismo ser sempre crítico ao governo, não importando quem estivesse no comando do país.
— A figura do Frias é importante porque mudou a linha da Folha de S.Paulo, que tinha apoiado a ditadura. Ele deu uma modernizada no jornal, tornando-o independente. Desde então, o jornal não tem tido medo de tomar posições, e tem expressado isso nos seus editoriais, respeitando o processo de informação para o leitor. Essa é a função de todo meio de comunicação — diz o jornalista Antônio Hohlfeldt, professor da Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da PUCRS.
Frias Filho manteve essa posição em todos os governos democráticos após o fim da ditadura. Durante o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, chegou a ser processado pelo hoje senador pelo Estado de Alagoas. Entre 1994 e 1999, passou a escrever coluna semanal na página 2 da Folha, de opinião, em que discutiu a estabilização econômica do país e os desdobramentos políticos do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
— Ele mudou o modo de fazer jornalismo no Brasil, o que motivou outros jornais a criar personalidade. Outra questão interessante é que, como ele não era repórter, podia tomar distância e administrar o jornal mais equilibradamente. Isso foi importante porque tornou a Folha multiopinativa, algo que é fundamenta para a formação da opinião do leitor — complementa Hohlfeldt.
Em nota, o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e vice-presidente Editorial do Grupo RBS, Marcelo Rech, lamentou o falecimento de Frias Filho:
"Foi com imenso pesar que tomei conhecimento da morte de Otavio Frias Filho, referência do jornalismo brasileiro e da Associação Nacional de Jornais (ANJ), em cujo código de ética teve papel decisivo. Em meu nome e de todos associados da ANJ, transmito condolências à família e aos colegas da Folha de S. Paulo, na esperança de que o exemplo de Otávio — na luta contra a doença e na prática de um jornalismo plural, ético e a serviço dos cidadãos — seja consolo nesse momento de dor. Com seu talento, compromisso com a democracia e a liberdade de imprensa, Otávio modernizou a Folha e deixa marcas profundas na imprensa brasileira. Fará muita falta ao jornalismo e ao Brasil".
Para o presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), Luiz Adolfo Lino de Souza, a busca pela pluralidade no jornalismo foi um dos grandes legados de Frias Filho:
— Otavio Frias Filho, apesar de polêmico em posições contrárias à formação do jornalista, deixa uma imenso legado, especialmente pela busca da precisão e da pluralidade que valorizam o jornal impresso na formação critica da sociedade brasileira — afirmou.
O jornalista deixa a mulher, Fernanda Diamant, editora da revista literária Quatro Cinco Um, e duas filhas.
Herdeiro
Nascido em 7 de junho de 1957, o jornalista herdou o jornal do pai, Octavio Frias de Oliveira, que comprou a Folha com Carlos Caldeira Filho, em 1962.
"Fui crescendo, e a ideia de trabalhar (no jornal) não me passava pela cabeça. Tanto que fui estudar Direito", disse ele, em 1988, em entrevista à revista Playboy.
Por persistência do pai, Frias Filho passou a contribuir com a produção dos editoriais do diário em 1975, aos 18 anos, sob supervisão do editor Cláudio Abramo, enquanto ainda cursava a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Em 1978, o então estudante chegou a ser detido pela Polícia Militar enquanto fazia campanha para os candidatos a senador Fernando Henrique Cardoso e a deputado Eduardo Suplicy. Dois anos depois, em 1980, passou a integrar o conselho editorial da Folha.
Do conselho, ele assumiu a direção de Redação do jornal em maio de 1984, substituindo Boris Casoy, e ficou responsável pelo conteúdo da publicação, enquanto o irmão Luiz Frias ficou com a gestão financeira da empresa. Coube a Frias Filho defender o "Projeto Folha", que já estava em gestação e propunha mudanças no produto, divulgando os princípios editoriais do jornal enquanto abria espaço para colunistas de diversas correntes. Ao assumir a direção da Redação, disse que a Folha se caracterizava por ser "crítica", "no sentido de fazer com que cada objeto de notícia seja, ao mesmo tempo, objeto de crítica, ainda que esta consista em analisar um fato".
No início, a chegada de Frias Filho à chefia do jornal causou resistência por parte dos jornalistas antigos, especialmente os repórteres especiais, contrários à padronização de textos imposta pelo Manual da Redação e por avaliações periódicas que passaram a ser estabelecidas. Seguro de suas opções, o jornalista trocou peças-chave da redação por jornalistas mais jovens, e a Folha passou a ser comandada por profissionais na casa dos 30 anos.
Em entrevista à revista Imprensa, em 1987, afirmou que via a produção jornalística como uma indústria, ao defender a existência do manual, quando comemorava crescimento da tiragem do jornal que era associado às mudanças. Já em 2018, na quinta revisão do manual, voltou a defender o uso de critérios objetivos para qualificar o jornalismo, citando a seção "Erramos", criada em 1991.
Nos anos 1990, Frias Filho e três jornalistas foram processados pelo então presidente Collor, que não gostou de duas notas econômicas publicadas pela Folha. A resposta do diretor editorial foi a publicação de uma carta aberta ao presidente da República na capa do jornal.
"A intenção de Frias Filho era chamar a atenção da opinião pública para a dimensão política da ação do presidente: a de intimidar um órgão de imprensa", escreveu, na própria Folha, no especial de 80 anos do jornal, o jornalista Mario Sergio Conti, autor de Notícias do Planalto.
"Seu governo será tragado pelo turbilhão do tempo até que dele só reste uma pálida reminiscência, mas este jornal — desde que cultive seu compromisso com o direito dos leitores à verdade — continuará em pé", dizia Frias Filho, em trecho da carta.
Teatro
Frias Filho é autor de seis peças de teatro, três publicadas em livro, juntamente com ensaios sobre cultura (Tutankaton, Editora Iluminuras, 1991), quatro encenadas em São Paulo: Típico Romântico (1992), Rancor (1993), Don Juan (1995) e Sonho de Núpcias (2002). Publicou também Queda Livre (Companhia das Letras, 2003), no qual reuniu o que chamou de "investigações participativas": sete reportagens ensaísticas sobre experiências de risco psicológico. Em tom literário, com textos em primeira pessoa, ele contou experiências como saltar de paraquedas, experimentar ayahuasca no Acre, visitas a clube de trocas de casais e sadomasoquismo, e ainda sobre peregrinação em Santiago de Compostela, na Espanha.
Frias Filho foi vencedor do Prêmio Maria Moors Cabot de Jornalismo, da Universidade de Colúmbia (EUA), pela contribuição de seu jornal à liberdade de imprensa. Em seu discurso de agradecimento, em cerimônia em Nova York em 1991, defendeu que o sucesso das democracias no Terceiro Mundo era "decisivo" para o surgimento de uma era de convergência e cooperação internacional, e que o jornalismo é um instrumento para defender essas democracias.
"Nos limites estreitos do jornalismo, a contribuição que está a nosso alcance é simples e difícil de se obter. Trata-se de cultivar a exatidão impessoal e o respeito à pluralidade de pontos de vista em meio a uma cultura onde é fraca a separação entre o público e o particular. De informar com competência técnica num País subdesenvolvido. De fomentar o espírito crítico numa sociedade de tradição autoritária."