Nunca trabalhei na Folha de S.Paulo e, até 1999, só conhecia Otavio Frias Filho pelos seus textos, entrevistas e notícias envolvendo um dos mais tradicionais jornais do país. Foi no Master em Jornalismo para Editores, em São Paulo, que o professor Carlos Alberto Di Franco apresentou à minha turma o comandante da Folha, a quem os colegas paulistas chamavam de Otavinho.
Nesse mesmo módulo, tivemos uma palestra com o então diretor de Redação do jornal O Estado de São Paulo, Antônio Pimenta Neves. A comparação é inevitável neste momento em que o Brasil amanheceu de luto pela morte de Frias.
Pimenta Neves era a arrogância travestida de erudição. Agressivo nas respostas, passou-me a impressão de ser aquele tipo de sabichão que não aceita ser contestado. Frias, ao contrário, esbanjava simplicidade. Era herdeiro do Grupo Folha, mas falava como um de nós.
Essa abertura me permitiu perguntar se não achava que a Folha tinha ficado muito pasteurizada com textos que pareciam feitos em molde. Para a minha surpresa, ele concordou. Reconheceu erros, admitiu que a Folha tinha ido fundo demais na objetividade e que os textos andavam muito chatos. Notem: estamos falando de 1999.
De Pimenta Neves o Brasil ouviria falar muito nos anos seguintes, não por seu trabalho como jornalista, mas por ter matado a tiros a namorada, Sandra Gomide. Na história, é um personagem de rodapé, protagonista de um dos casos mais emblemáticos de feminicídio e de impunidade.
De Otavinho, o Brasil continuou acompanhando a luta pelo bom jornalismo e, mais recentemente, pelo combate às notícias falsas.
O jornalismo, apesar de suas severas limitações, é uma forma legítima de conhecimento sobre o nível mais imediato da realidade. Para afirmar sua autonomia, precisa cultivar valores, métodos e regras próprios.
OTAVIO FRIAS FILHO
Diretor de Redação da Folha
Dramaturgo, formado em Direito em pós-graduado em Ciências Sociais, dizia-se apaixonado por bons textos. Com a convicção de quem fez da Folha um dos mais respeitados jornais do Brasil, defendia o jornalismo apartidário, independente, plural, crítico e comprometido com essa que, para muitos é uma utopia: a busca da verdade.
Sob seu comando, a Folha se modernizou na forma e no conteúdo na década de 1980. Foi protagonista na campanha das Diretas Já e se engajou na luta pela redemocratização. Enfrentou o poder com uma coragem singular.
Em 1990, 10 dias depois de tomar posse, o então presidente Fernando Collor mandou a Polícia Federal invadir o jornal, incomodado com o que seus asseclas consideravam oposicionismo da Folha. O episódio está descrito em detalhes no livro Notícias no Planalto, do jornalista Mario Sergio Conti. O jornal saiu mais forte do episódio. Collor não parou de cair até ser enxotado do poder em setembro de 1992.
Uma das frases de Frias, lembrada pela Folha na notícia de sua morte, nesta terça-feira (21), sintetiza esse pensamento acerca do papel da imprensa: "O jornalismo, apesar de suas severas limitações, é uma forma legítima de conhecimento sobre o nível mais imediato da realidade. Para afirmar sua autonomia, precisa cultivar valores, métodos e regras próprios”.
Frias morreu, aos 61 anos, vítima de um câncer de pâncreas. O jornalismo está de luto porque perdeu um defensor da liberdade, da democracia e do jornalismo de qualidade.