No dia 20 de outubro de 1972, dois ilustres visitantes estiveram no Planetário Professor José Baptista Pereira, da UFRGS, na esquina da Avenida Ipiranga com a Rua Ramiro Barcelos, na Capital: os astronautas norte-americanos James Lovell e Donald Slayton. Embora as instalações estivessem praticamente concluídas, o equipamento seria oficialmente inaugurado só algumas semanas depois, em 11 de novembro. Em 2022, o planetário completa meio século de atividades.
Lovell havia participado, dois anos antes, da Apollo 13, missão tripulada à Lua, que chegou a orbitar o satélite, mas foi abortada antes do pouso após a explosão de um dos tanques de oxigênio. Já Slayton era chefe de operações de voo da Nasa, a agência espacial do governo dos Estados Unidos — não era pouca coisa, já que cabia a ele escolher os tripulantes que subiam aos céus, inclusive Neil Armstrong, primeira pessoa a pisar na Lua, em 20 de julho de 1969.
Para Porto Alegre, o planetário foi uma novidade muito bem-vinda. Com ele, não apenas estudantes, mas o grande público passou a ter contato mais direto com a ciência da astronomia. O projetor Spacemaster, fabricado pela Zeiss, na antiga Alemanha Oriental, foi doado pelo Ministério da Educação e Cultura. Na cúpula de 12 metros de diâmetro, é possível observar os planetas do sistema solar e mais de 8 mil estrelas. A projeção mostra o céu de qualquer parte do mundo, tanto do passado quanto do presente.
O projeto arquitetônico de Fernando Gonzales (com a colaboração de Walter Bered) sugere uma nave espacial pousada em uma das esquinas mais movimentadas de Porto Alegre. A escolha do bairro Santana foi proposital: a ideia era criar um novo polo científico e turístico junto ao campus da saúde da UFRGS. O nome homenageia o professor José Baptista Pereira, que, embora fosse engenheiro, prestou grandes serviços à astronomia no Estado.
Após conhecer o planetário, os astronautas fizeram um programa diferente. Acompanhados das esposas, se deslocaram até a residência/atelier dos artistas plásticos Vasco Prado e Zoravia Bettiol, na Avenida Coronel Marcos, em Ipanema.
— O consulado dos Estados Unidos perguntou se poderíamos recebê-los. Nessa época, o nosso atelier era um ponto de encontro cultural, turístico e afetivo da cidade — conta Zoravia.
De fato, nos anos 1960 e 1970, a casa que acolhia os estúdios dos artistas era bastante movimentada. Nas noites de sábado, eles recepcionavam de duas a três dezenas de amigos, em reuniões de confraternização que se estendiam até 1h ou 2h da madrugada. Entre os frequentadores habituais, estavam o escritor Josué Guimarães, o crítico de arte Jacob Klintowitz, o arquiteto Rogério Malinsky e o ator José Lewgoy, além da promotora cultural Eva Sopher e do marido dela, Wolfgang Klaus.
— Era coisa de cidade pequena, onde todo mundo se conhecia. Essa Porto Alegre não existe mais — afirma Zoravia.
Em certa ocasião, o casal hospedou Jorge Amado e Zélia Gattai no sofá da sala por 10 dias.
Quando Vasco (falecido em 1998) e Zoravia receberam Lovell e Slayton, estavam morando em casa alugada, enquanto aguardavam a conclusão da obra do atelier/residência da Pedra Redonda (prédio atualmente ocupado pelo Colégio João Paulo I). Os astronautas deixaram de presente a fotografia de uma das missões à Lua.
— É incrível que, atualmente, o foco do interesse das agências espaciais seja o planeta Marte e além! — espanta-se Zoravia, ao se dar conta de que se passaram quase 50 anos.
Outro dado que chama a sua atenção é que, na dedicatória da fotografia na Lua, aparece apenas o nome de Vasco. Não consta o nome dela, nem os das esposas dos cosmonautas.
— Machismo autêntico! Felizmente, também isso está mudando, mas é um processo lento — conclui.