“A gente vive a louvar a beleza das terras alheias e esquece que, na nossa terra – bem perto de nós –, há paisagens maravilhosas, a dois passos do centro da Capital”. Em 1932, a Revista do Globo divulgou, desta forma, a inauguração de um loteamento residencial em Belém Novo, na zona sul de Porto Alegre. Nele, o ponto de encontro era o restaurante Leblon, à beira do Guaíba, junto à Praça Almerindo Lima, mais conhecido como Poletto, por causa do proprietário, Almiro Poletto, que administrou a casa, com a esposa Julieta, por cerca de quatro décadas. No período, foi um dos polos da convivência social do Belém Novo – até bailes de carnaval aconteciam lá –, fortalecendo a vocação de lazer e diversão do bairro, distante 26 km do centro da Capital, com população atualmente estimada em 15 mil habitantes.
Se é verdade que, até o final do século 19, Belém Novo era uma extensa área rural, que só atraia visitantes para suas festas religiosas, já nas primeiras décadas do século seguinte foi adotado como balneário – do latim balnearis, a palavra remete ao ato de banhar-se. “No Brasil, o prazer de nadar ou mergulhar se popularizou apenas no início do século 20. Antes, o banho de mar era mais indicado como terapia para a cura de males do corpo”, diz a arquiteta e urbanista Clarissa Maroneze Garcia, em dissertação sobre a evolução urbana de Belém Novo para o mestrado em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS, de 2017.
À época, os porto-alegrenses não contavam com fácil acesso ao Litoral. Uma viagem a Torres, por exemplo, demorava até dois dias, em função das precárias condições das estradas. Não admira que as praias de águas doces do Guaíba, representadas como verdadeiros paraísos por revistas e jornais locais, atraíssem veranistas. Nessa fase, Belém Novo contava com vida cultural animada. O bairro chegou a ter dois cinemas de calçada, o Cine Arte e o Belgrano. Os mais ricos promoviam garden parties em mansões perto da orla ou no topo do Morro da Cuíca.
Esse clima estimulou a construção de loteamentos inspirados nos bairros-jardins europeus, com ruas curvilíneas ladeadas de pracinhas. É o caso do Villa Balneária Nova Belém, que teve seus atrativos enumerados pelo jornal A Federação, em 7 de março de 1931. Alguns dos equipamentos anunciados jamais foram construídos, como as torres de salto, as piscinas de natação e, especialmente, o majestoso estádio para a prática de esportes, “um dos maiores do mundo”, conforme a publicação.
Já o Poletto foi promessa cumprida, a exemplo da belíssima escadaria para pedestres até o alto do morro e a Avenida Beira-Rio (hoje, a principal do bairro). O restaurante é obra do engenheiro italiano Armando Boni, responsável também pelas plantas da Concha Acústica do antigo auditório Araújo Vianna, na Praça da Matriz (demolido para a construção da Assembleia Legislativa), do Cemitério São Miguel e Almas e da Livraria do Globo, na Rua da Praia.
O declínio do Poletto coincidiu com a perda de status de Belém Novo como opção de balneário, a partir da abertura da Freeway, em 1973, que ofereceu aos moradores da Capital uma estrada moderna e de alta velocidade para se chegar ao Litoral Norte. Uma última tentativa foi feita pelo casal de uruguaios que administrou o restaurante de 1981 a 1987 – a ideia era agregar o talento de David como chef de cozinha ao de Helena como artista plástica em um mix de restaurante e galeria de arte. “Imaginavam construir um pier para que iates trouxessem turistas e homens de negócio de passagem pelo Estado”, diz o filho Bernardo Dorfman, hoje radicado nos Estados Unidos.
Depois que o restaurante fechou, o prédio foi abandonado e, em ruínas, passou a fazer parte do cenário da orla, como uma atípica atração turística. Em 2012, a prefeitura chegou a formular um projeto de revitalização, que jamais saiu do papel. Em outubro de 2020, a área foi cercada por tapumes para a construção de duas linhas adutoras do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Após a conclusão da obra, a promessa é devolvê-la com bancos de praça e churrasqueiras, além de brinquedos infantis. O que sobrou do Poletto deverá passar por estudos técnicos – “em havendo possibilidade, serão propostas parcerias (com a iniciativa privada) para recuperação”, informa a assessoria do Paço Municipal. “O custo para ajeitar Belém Novo é baixo. Só o que precisa é um pouco de boa vontade e dedicação”, conclui Bernardo.