Carlos Alberto La Porta se apresentava como o primeiro homem a desfilar nas passarelas gaúchas. Além de manequim, foi modelo fotográfico e ator de rádio, televisão, teatro e cinema.
— Sabes do que eu mais sinto saudade? — pergunta ele, com a voz trêmula.
Como dois pedaços de céu, os olhos azuis ficam suspensos no vazio de um tempo que ficou para trás. De repente, a sala da Casa do Artista Riograndense (abrigo de idosos no bairro Glória, em Porto Alegre) se transforma em um cineteatro, com a plateia tomada por fãs que queriam lhe arrancar as roupas.
Nos anos 1950, a Rádio Farroupilha apresentava, ao vivo, o último capítulo das novelas no palco de uma cidade do Interior, para que os ouvintes pudessem conhecer, enfim, os rostos que se escondiam por trás das vozes. Só que, antes que cada um abrisse a boca, o público não sabia quem era o galã, nem a heroína, muito menos o vilão.
— No teatro ou na televisão, basta balançar a cabeça e está tudo resolvido. O rádio é a arte mais difícil, tem que fazer tudo com a voz — ensina.
E depois que La Porta soltava a sua voz, eram palmas e mais palmas.
— Certa vez, em Pelotas, saí só com as meias e a cueca.
Estamos eu e a fotógrafa Tânia Meinerz atentos ao desenrolar da trama, cena por cena. É uma tarde de calor de janeiro de 2015. Colhemos depoimentos para o livro Nega Lu – Uma Dama de Barba Malfeita (que viria a ganhar o Prêmio da Associação Gaúcha de Escritores de 2016, na categoria Não Ficção). Agora, acompanhamos a criança colada ao pai, o siciliano Miguel de La Porta, ator do Teatro de Emergência, que, nos anos 1940, encenava peças em um pavilhão de madeira com telhado de zinco, perto do Cine Castelo, no bairro Azenha, na Capital. Um dia, precisaram de uma criança para uma rápida aparição. Miguel sugeriu: “Quem sabe eu trago o meu guri, que já está entrosado com a gente?”.
Estreou nas passarelas em 1951, aos 15 anos. Alto e corpulento, tinha porte de galã — diziam que parecia o Tyrone Power (ídolo de Hollywood dos anos 1930 aos 1950). No desfile de uma loja de enxovais, fez par com Yeda Maria Vargas, Miss Universo em 1963, que, à época, recém havia sido eleita Rainha das Piscinas. Sempre pioneiro, La Porta estava nos estúdios da TV Piratini, em 23 de dezembro de 1959, quando a primeira emissora de televisão do Estado entrou no ar. Naquela noite, fez o papel de “Ano Velho” em um quadro pitoresco sobre a mudança do calendário.
Já nos anos 1970, morando no centro do país, participou da interminável (253 capítulos) novela Mulheres de Areia, de Ivani Ribeiro, na TV Tupi (houve um remake da Globo, em 1993). No cinema, fez parte da obscura produção Maria... Sempre Maria e de Pobre João, sucesso estrondoso de bilheteria protagonizado por Teixeirinha, sob a direção de Pereira Dias. Chegou a gravar comerciais da Ducal (rede de moda masculina) na Torre Eiffel, em Paris, e no Coliseu, em Roma. Mas considerava o ápice da carreira ter contracenado com o ídolo Paulo Autran em Nossa Vida em Família, de Oduvaldo Vianna Filho, no Teatro Itália, em São Paulo.
De volta a Porto Alegre, no começo dos anos 1980, fundou a Escola de Manequins e Modelos Fotográficos Professor La Porta, em um casarão antigo (hoje demolido) de quatro andares, na Rua da Praia, quase defronte ao Hotel Majestic (que ainda não tinha se transformado na Casa de Cultura Mario Quintana). De brincadeira, La Porta se dizia “avô de passarela” de Gisele Bündchen, já que Dilson Stein, apontado como descobridor da principal top model brasileira do início do século 21, se formou em sua escola de modelos.
Naquele já distante ano de 2015, La Porta vivia da aposentadoria de um salário mínimo do INSS, recolhido à Casa do Artista, reclamando de tédio e solidão, embora ali também morassem alguns amigos, como Wilson Roberto Gomes, colega dos tempos da Rádio Itaí.
— É melhor não chamar agora. Dorme a tarde inteira e tem horror que o acordem.
Antes de ir embora, pergunto se ele sente falta do público, que, no passado, tanto o idolatrava.
— Nem fala, pelo amor de Deus. Todos nós, que somos artistas, passamos por isso — responde, enxugando a lágrima no canto do olho azul-claro.
Morreria em 12 de julho de 2016, aos 80 anos.