As pesquisas para contar a história da maior enchente de Porto Alegre fizeram emergir um caso de amor real que começou naqueles dias de muito medo e trabalho pesado na cidade. É o que você lerá a seguir, em uma crônica que apresenta o cenário mais improvável e dois personagens que jamais se cruzariam não fosse a fúria da natureza.
Foram 22 dias de chuva em Porto Alegre. Elas calaram o piano do Café Colombo, fecharam o Coliseu, o Imperial, todos os cinemas de rua e as charmosas lojas da Rua da Praia. O centro da cidade virou lago entre abril e maio de 1941.
Enquanto um quarto da população buscava um abrigo seco, os hóspedes do Majestic ficaram confinados no hotel. Estavam seguros, muito mais do que a vizinhança, mas com os planos frustrados. Que o diga o diretor de terras e colonização do Noroeste do Rio Grande do Sul.
O engenheiro Arthur, 42 anos, vinha com frequência do Interior para tratar da distribuição de áreas na região de Santa Rosa com o governo do Estado. Costumava se hospedar naquele edifício novo de sete andares, que reluzia luxo nos detalhes das colunas, das passarelas que ligavam as duas alas sobre uma travessa, nas inúmeras sacadas – com uma vista privilegiada da maior catástrofe já vista na Capital.
Ele usava uma capa preta sobre o terno, longa até o joelho, e por vezes escondia com um chapéu fedora o cabelo castanho-avermelhado. Era um homem sério e atarefado, vivia na estrada. Mas agora estava ilhado.
Esperar a água baixar estava sendo bem menos frustrante para Elena, uma menina de 17 anos que tinha vindo do Litoral Norte estudar na Capital. Sem aula, a enchente tinha cara de férias. Ela dava até umas fugidinhas do hotel para passear de barco pelas ruas do centro de Porto Alegre.
Elena foi morar no Majestic porque o gerente era conhecido da família. Ela era uma de cinco filhas de um casal de produtores de banana e cana, que queria ser coisa diferente. Tinha começado um curso para costurar os próprios vestidos e a independência dos pais.
A menina tinha 1m53cm de altura, cabelos castanhos e um nariz retinho. Mas o que mais chamava atenção era o sorriso de dentes brancos perfeitamente alinhados. Era inquieta e linda, a Elena.
Por oferecimento do dilúvio, o engenheiro e a estudante acabaram se encontrando nos corredores do Majestic. Na verdade, eles se esbarraram. Elena estava correndo, como de costume, quando pechou com Arthur. Olhou para cima, fitando os grandes olhos castanhos daquele baita homem. Que se assustou:
– Que é isso, menina!
Acabaram sorrindo um para o outro. Outro dia, se encontraram no almoço. Depois, no café. Passaram a conversar muito. Ele ficou curioso com o jeito daquela garota, tão nova e esperta. E decerto ela se envaideceu com a atenção de um homem assim charmoso. Quando a chuva parou e o Guaíba voltou ao seu leito, eles já tinham se apaixonado.
Arthur e Elena se casaram em 1945 e tiveram cinco filhos. Também tiveram netos e bisnetos, enquanto o Hotel Majestic foi transformado em Casa de Cultura Mario Quintana. Os dois se amaram e foram felizes até a partida dele, aos 82 anos. Ela morreu 10 anos depois, em 1993.
Regressiva POA 250 anos
O Grupo RBS preparou uma série de matérias para fazer a contagem regressiva para os 250 anos de Porto Alegre, que serão completados dia 26 de março de 2022. Mensalmente, até o aniversário de quarto de milênio da Capital, publicaremos em Zero Hora e GZH conteúdos que abordarão aspectos fundamentais na tentativa de entender a formação de uma identidade porto-alegrense. As reportagens vão tratar a Porto Alegre das ruas, das pessoas, do futuro, da cultura, do empreendedorismo e das paixões. Esses conteúdos vão lançar um olhar para trás, como forma de compreender o que nos trouxe até aqui, retratar o presente e projetar o amanhã da Capital, sempre com foco voltado a aproximar nosso público da cidade que escolheu viver.