De um lado, o mar da Praia Lagoa Jardim, em Torres. Do outro, a lagoa de mesmo nome. Entre os dois, a sala de estar, o banheiro e os quartos. O quintal inusitado é um dos cenários possíveis para quem opta por aproveitar o litoral gaúcho em motor homes e trailers: com os veículos estacionados em campings, as famílias passam seus dias pertinho da natureza e longe das grandes aglomerações.
— É pertinho do mar e da lagoa. Tem bastante sombra, com um clima familiar e tudo muito caprichado. A gente se sente em casa — resume a professora aposentada Neli Martins, 67 anos.
Neli e o marido Paulo, 69 anos, estacionaram o motor home no último dia 3 no Camping Lagoa Jardim. O veículo recreativo tem camas, banheiro, chuveiro e cozinha, e ainda é possível acoplar uma mesa e barraca na rua, onde a família passa a maior parte do tempo. Apelidado de “Minuano”, o motor home foi adquirido em 2018 depois de quase quatro décadas em que o casal passou acampando em barracas. Só de lá para cá, já foram cerca de 30 mil quilômetros rodados, entre cidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Foi a forma encontrada pelos moradores de Canoas para passear e, ao mesmo tempo, se isolar na pandemia.
— Era o sonho do meu marido, mas depois eu resolvi acompanhar e acabei gostando, porque na casa da praia a gente fica sempre preso no mesmo lugar. Com a pandemia, foi o jeito que a gente teve de sair um pouco. A gente se sentia seguro nos campings, porque é ao ar livre, cada um no seu canto. Uma pena que tivemos de cortar os encontros de motor homes e aquela coisa de chegar e juntar as mesas — conta Neli.
Um motor home é uma legítima casa sobre rodas, e a casa é conduzida pelo motorista – geralmente são ônibus ou vans adaptados. Já o trailer, também usado por quem gosta de campismo, conta com as mesmas comodidades, mas não possui motor próprio e precisa ser rebocado por outro veículo. No Camping Lagoa Jardim, ambos dividem o mesmo espaço perto da lagoa e do mar, e quem opta por ficar no local tem acesso a água, luz e internet, além de banheiros e chuveiros – usados principalmente pelas pessoas que dormem em barracas, que não têm estrutura.
Quando GZH visitou o casal de aposentados, eles estavam acompanhados das duas filhas, Débora, 42, e Ana Paula, 40, e também das netas Cecília, 9, Pietra, 8, Alice, 5, e Paola, 3. “A casa das sete mulheres” e de um homem, como define a família, seria completada nos dias seguintes com a chegada dos genros. Mas, depois, o casal deve seguir sozinho e, dependendo da melhora da pandemia, viajar para o Rio de Janeiro ou nordeste.
— O que mais gostamos aqui é a liberdade. É tudo descompromissado e sem cobranças — sintetiza Paulo Martins.
Proprietário do camping, Paulo Cezar Daitx relembra que, ao longo dos anos, as barracas foram dando lugar às casas motorizadas.
— Há 25 anos, quando comecei aqui, eram só barracas. Depois que deu o ciclone Catarina, as barracas foram parando aos poucos, e em todo o ano passado vieram só quatro. O resto era tudo de motor homes e trailers.
O aposentado Mauro Osmar Machado, 69 anos, também tinha como sonho de consumo um ônibus para viagens a campings. E conseguiu: ele e a esposa Juciléia de Souza Machado, 44, que trabalha como cozinheira em uma creche, adquiriram o veículo há um ano e, pela primeira vez, estão passeando com o chamado “Formiga” – que ganhou o mesmo apelido do dono.
Adaptado de um ônibus de linha, “Formiga” mantém oito assentos da sua estrutura original, mas os demais foram retirados. Assim, o espaço recebeu armários, freezer, uma cama de casal e um beliche, além de fotos da família. No último dia 4, eles chegaram ao Camping Cabanas Guarita, também em Torres, cujo espaço reservado a trailers e motor homes fica próximo do Rio Mampituba e da Praia dos Molhes, com acesso a água, luz e internet – há ainda uma outra área para cabanas e veículos menores em outra região da cidade.
Moradores de Cerro Branco, eles aproveitam os dias de férias de Juciléia para visitar a região do Estado que mais gostam: o Litoral, seja de água doce ou salgada.
— É bem mais em conta do que alugar uma casa. Dá para economizar e ficar no nosso canto, é bem melhor — defende a cozinheira.
Proprietário do Camping Cabanas Guarita, Marco Antônio Saraiva Collares Machado admira-se com os diferentes veículos que têm aparecido e com a expansão do mercado – o local chegou a receber pessoas trabalhando em home office de dentro de trailers e motor homes durante a pandemia.
— O pessoal está deixando de ir para hotéis e pousadas para ir a esses outros lugares. Minha leitura é de que o mercado se expandiu com esse período de restrições, já que os campings são locais arejados. E o pessoal está com pouco dinheiro, quer economizar, e vir para cá é bem mais em conta — acrescenta.
Inspiração que veio do exterior
Também instalados no Camping Cabanas Guarita, o casal de dentistas Adriane e Evandro Toigo, ambos com 52 anos, fizeram um caminho diferente da maioria das pessoas que ingressa no mundo dos motor homes. O veículo recreativo era um desejo de Evandro, mas, em vez de iniciar por barracas, o casal e os filhos optaram por alugar modelos semelhantes antes de decidir pela aquisição.
— Antes de comprar, a gente foi aos Estados Unidos e lá aluguei um motor home por 18 dias. Depois, fizemos o mesmo em Portugal. Foram dois finais de ano em que aluguei para saber se a esposa ia gostar, se os filhos iam gostar, porque é um investimento grande e um estilo de vida diferente. A gente optou por comprar porque tem muita praticidade para viajar e dá para conhecer vários lugares diferentes — conta o morador de Flores da Cunha.
Ao lado do cãozinho Dimy e eventualmente dos filhos, o casal costuma viajar mais aos finais de semana, férias e feriados. A compra foi feita em fevereiro de 2020, um mês antes da pandemia.
— E veio a calhar, porque a gente vê que está em alta e o pessoal usa muito para se isolar. Em um camping tu tens tua cama, faz tua comida e fica isolado, não depende de restaurante e nem de hotel. É mais seguro. A pandemia veio favorecer o campismo, que ainda engatinha no Brasil em comparação com outros países, mas está em ascensão.
Em tratamento contra um câncer, Adriane finalizou as sessões de quimioterapia na última semana e foi direto para o motor home, curtir o ar fresco a ser encontrado pelo caminho. Antes duvidando se ia gostar, ela agora diz adorar o campismo.
— É como brincar de casinha. Tudo pequenininho, compacto, fácil de limpar. É gostoso estar cada vez em um lugar, tanto que a nossa casa da praia colocamos para alugar. Não sinto falta da casa. A casa, agora, a gente leva.
Três décadas na estrada
Se parte dos campistas ainda está ingressando nesse mundo, não é possível dizer o mesmo de Marisa e Antônio Mendes, de 63 e 66 anos. O casal é morador de Estrela, mas passa mais tempo na casa sobre rodas do que no apartamento fixo na cidade do Vale do Taquari. O motor home foi comprado há 32 anos após um tempo de viagens em barracas e continua levando os aposentados América Latina afora – muitas vezes, acompanhados de familiares.
Há três meses, o casal chegou ao Camping Cabanas Guarita, em Torres – e, recentemente, recebeu a companhia da neta Geovana Mendes Ghislene, 11 anos, que está em férias escolares. Nas quase três décadas de viagens com motor homes, foram mais de 300 mil quilômetros rodados por todo o Brasil e por terras uruguaias e argentinas. As viagens chegaram a ser interrompidas no ano passado por conta da pandemia, mas foram retomadas em agosto.
— Os filhos se criaram aqui dentro, e hoje em dia tem a neta, que gosta de vir, porque eles trabalham e vêm mais nas férias. Agora que a gente está aposentado, passa muito tempo viajando. A gente conhece as pessoas, troca experiências, vai fazendo amizades por aí – conta Marisa.
Antônio levanta aproximadamente às 5h30min e vai pescar, seja no Mampituba ou no mar. Os períodos de pescas ocorrem de duas a três vezes ao dia e garantem o almoço da família, que também se reveza entre caminhadas e banhos de mar com a neta.
— Muitos dos peixes eu dou, porque vou mais pelo prazer da pesca e às vezes nem tenho onde deixar. Mas tenho uma foto: já pesquei um peixe com 5,9 kg — brinca, garantindo a tradicional história de pescador.
Neta e avó apreciam a mesma característica da vida em campings: a convivência com outras pessoas, a qualidade de vida e a ajuda mútua. Marisa diz que às vezes sente falta de casa, mas que a vida na estrada ajuda a repensar os hábitos:
—Aqui temos tudo de que precisamos.
Os campings visitados
- Endereço: Avenida Silva Jardim, 1.603 (área para motor homes e trailers) ou Rua Porto Alegre, 530 (área para barraca e veículos menores), ambos em Torres
- Telefone: (51) 3664-2569 e (51) 99912-6013
- Estrutura: no primeiro endereço, há acesso a água, luz e internet, e o motorista recebe um controle remoto do espaço. No segundo, próprio para barracas, há cozinhas coletivas, banheiros e sala de estar, além de acesso a luz e internet
- Diária: R$ 100 por casal viajando em motor homes ou similares; R$ 80 por casal em barracas
- Endereço: Rua São Marcos, 5, em Torres
- Telefone: (51) 99214-4445
- Estrutura: cozinha coletiva (usada mais por quem fica em barracas), galpão com churrasqueiras, sanitários, chuveiro quente e frio e cobertura de barracas, além de acesso a água, luz e internet
- Diária: R$ 40 por pessoa, tanto para quem está em barracas quanto para quem está em motor homes e trailers. Há uma taxa de luz, que varia de R$ 10 a R$ 15 por dia para motor homes e trailers