Uma série de fatores pode contribuir para a piora da saúde mental na terceira idade. O passar dos anos vai compondo um cenário mais propício para o surgimento e o estabelecimento de comportamentos, características ambientais e sociais e, consequentemente, abalos emocionais como a depressão.
Aposentar-se é um desafio que não costuma ser encarado com a devida preparação. Para evitar a súbita mudança de status, passando de uma rotina repleta de afazeres para outra sem nenhum compromisso, esse período da vida deve começar a ser planejado com, pelo menos, um ano de antecedência. O repentino vazio de afazeres é uma das grandes causas de abatimento a partir dos 60 anos.
Psiquiatra e geriatra, membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Ivan Aprahamian explica que o indivíduo perde muito do foco em termos de papéis e contatos sociais obrigatórios, o que leva à perda de funcionalidade.
— A primeira semana é linda, na segunda já bate aquela coisa: eu acordo, não tenho muito horário para tomar café, vou para o sofá, cochilo, fico na frente da TV, quando vejo é hora do almoço. O dia passa sem nada digno de nota — descreve o médico.
Os contatos familiares dos idosos tendem a se reduzir. Os filhos tendem a estar em fase de grande produtividade e envolvimento com a carreira. De forma concomitante, podem ser muito demandados pelos cuidados com seus próprios filhos. Na esfera social, começam a se somar as perdas, com o adoecimento e a morte de amigos e conhecidos. A saúde de cada um também passa a ser um limitador, podendo reduzir a mobilidade e a independência. Todos esses são elementos que afetam a saúde mental, e a forma como cada um lida com isso, explica o psiquiatra Ariel Lipman, é diversa.
— É comum, no consultório, ver idosos que não aceitam a nova condição. "Antigamente, minha vida era diferente, conseguia fazer isso, aquilo, não precisava tomar tanto remédio", dizem. Esse processo de aceitação ou não aceitação impacta muito — comenta Lipman.
Aprahamian cita o estigma como outro forte componente a abalar a saúde mental na terceira idade:
— Todo mundo tem na cabeça que o idoso é triste e esquecido. Todo mundo acha que envelhecer é ruim, que não dá para ficar feliz. Demência e depressão acabam sendo subdiagnosticadas.
Outro aspecto do estigma é associar doença mental com fraqueza, fazendo com que se retarde o início do tratamento.
— É uma grande mentira, e esse tipo de pensamento transborda para gerações mais jovens. Muitas vezes, ouço de filhos ou netos: "Ele está meio triste, mas está com 80 anos, é difícil estar feliz, tem problema de saúde, toma remédio, não sai de casa". Não dá para a gente assumir que essa condição seja igual a ficar triste. O estigma acaba atrasando a procura por ajuda. Quanto antes começarmos a tratar um transtorno como depressão, melhor é o prognóstico e muito melhor é a evolução ao longo da vida — analisa Aprahamian.
A depressão tem peculiaridades na velhice. Há diferenças na manifestação da doença em relação às versões que surgem no adulto mais jovem. O idoso tende a ficar mais isolado.
— Isso acaba sendo visto como natural, mas não pode — reforça Lipman.
O entendimento do que é o isolamento social e suas consequências veio com a pandemia, pontua Aprahamian, motivando um grande volume de publicações na literatura médica nos últimos anos.
— O isolamento social acontece há muito tempo, e a gente não dava muito valor. Essa população está sob mais risco de isolamento do que os mais jovens — alerta o psiquiatra e geriatra.
Práticas que contribuem para um envelhecimento ativo, destaca Lipman, são fundamentais.
— Prática de atividade física, trabalho ou hobbies, vida social e familiar são muito relevantes, trazem benefícios, impacto positivo no processo de envelhecimento e contribuem para a saúde mental — frisa Lipman.
Preste atenção aos possíveis sinais de depressão na terceira idade
- Esquecimentos
- Lentificação dos movimentos
- Falta de ânimo para atividades antes consideradas prazerosas
- Diminuição das interações sociais
- Quietude, prostração, apatia
- Isolamento cada vez maior
- Passar grande parte do dia deitado
- Mudanças nos padrões de sono e alimentação (passar a comer e dormir muito pouco ou exageradamente)
- Pensamentos negativos persistentes
Invista na saúde mental
- A aposentadoria deve ser planejada com antecedência. Reflita sobre o que você gostaria de fazer e em quais atividades lhe agradaria investir seu tempo. Você não pode se surpreender, de repente, por não ter mais nada para fazer
- Tenha planos. É fundamental ter a perspectiva de futuro
- Enriqueça sua rotina com hobbies. Em muitos casos, a atividade pode inclusive servir como fonte para incrementar a renda doméstica
- Trabalho voluntário pode ser uma ótima opção. Reflita sobre as áreas e as entidades que lhe interessam
- Pratique atividade física com regularidade. É importante incluir exercícios de força, como musculação e treino funcional, em uma fase da vida que é marcada pela perda de massa muscular
- A prática de exercícios ajuda a valorizar uma alimentação mais saudável, que é fundamental sempre. Retire da sua rotina o máximo possível de produtos industrializados ultraprocessados e priorize frutas, legumes e verduras
- Mantenha uma rede social variada: amigos do clube e da igreja, vizinhos, colegas de academia etc
Números
- Uma em cada seis pessoas no mundo terá 60 anos ou mais no ano de 2030
- Um em cada seis idosos sofre abuso, frequentemente por parte de seus próprios cuidadores
- Cerca de 14% das pessoas acima de 60 anos vivem com uma doença mental
Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS)