Aposentadoria exige preparação. Não é somente bater o ponto pela última vez hoje e acreditar que tudo vai se ajeitar a partir de amanhã. A psicóloga e gerontóloga Zhélide Quevedo Hunter, 84 anos, trata desse tema como palestrante do 9º Fórum Social Mundial da Pessoa Idosa, que está se realizando em Porto Alegre nesta semana. Uruguaia radicada na cidade, Zhélide também preside a Associação Nacional de Gerontologia e acredita que o processo de aposentadoria é uma travessia.
— É preciso trazer o aposentado novamente para uma atividade em que ele se realize — diz a estudiosa do processo de envelhecimento e mestranda da Fundação Universitária Iberoamericana (Funiber), com sede em Barcelona, na Espanha.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida a GZH.
Por que a aposentadoria pode ser tão problemática?
Frequento grupos de terceira idade. Pergunto: todo mundo está alegre, está feliz? Aí falam que um ou outro está com depressão. Decidi investigar o porquê dessas depressões. A maior parte delas era por causa da aposentadoria. As pessoas se aposentam e não sabem o que fazer depois. Não têm orientação nenhuma e ficam sem ter como desenvolver seu intelecto. Muitas pessoas com talentos maravilhosos pararam de trabalhar e não tinham mais nada para fazer da vida. Pensei, então, em fazer meu projeto de pesquisa de mestrado em gerontologia sobre essa travessia. Não deixa de ser uma travessia importante. Você faz uma atividade por 30 ou 40 anos e, lá pelas tantas, para de fazer, sai daquele ambiente, sai do grupo de colegas. Na própria família, às vezes, as pessoas deixam de lado quem é aposentado. Para muitos, a pessoa aposentada serve só como mantenedora. Fiz um esboço do projeto, apresentei, e a faculdade adorou. Agora quero ver se consigo implantá-lo aqui em Porto Alegre. É preciso trazer o aposentado novamente para uma atividade em que ele se realize, em que possa ganhar alguma renda. Fundamentalmente, temos que fazer com que as pessoas se reintegrem socialmente, façam novos amigos, descubram talentos. É uma situação de mudança, de metamorfose. É uma metamorfose que acontece nesse momento.
Como deve ser feita a preparação para a aposentadoria?
A partir dos 50 anos, em torno dessa idade. Quando você está começando a pensar em se aposentar. Quando lhe dizem que você tem mais dois anos, três anos, cinco anos. Parece que a pessoa tem medo de enfrentar isso. É uma barreira, um obstáculo. O primeiro preconceito que se tem que vencer é o seguinte: aposentadoria não é ficar nos aposentos. Significa uma nova vida, a proposta de uma nova vida. Estamos procurando ampliar essa visão. O Estatuto da Pessoa Idosa determina que todas as empresas promovam essa orientação um ano antes de a pessoa se aposentar. É uma coisa humana.
Como é a sua vida de aposentada?
Estou com 84 anos e em plena atividade. Me aposentei como professora de francês e espanhol aos 47 anos. Ou seja, faz quase 40 anos que estou em outra atividade, e dessa não vou me aposentar (risos). Viajo muito, organizo viagens, sou professora de espanhol e francês, dou muitas palestras. Já levei um grupo de mais de 50 idosos para a Europa. Visitamos Portugal, Espanha e França. Aprendi coisas que não existem em livro nenhum.
Transforme, faça, escreva, aprenda alguma coisa. Ainda se pode descobrir um novo amor, uma nova amizade, a solidariedade. A solidariedade e o compartilhamento são inatos do ser humano. Ele não nasceu para ser isolado. Ele nasceu para compartilhar.
Por que as pessoas têm medo de parar de trabalhar?
O medo é justamente de não saber o que fazer. Elas perdem as referências, a autoridade. Saem de um espaço e não têm mais identidade, a identidade da autoridade, do reconhecimento.
E se a pessoa focar no tempo que vai ter para fazer outras coisas?
Passa um mês, passam dois e acaba a graça. Enche o saco. Um dos problemas que estamos sentindo, não só a questão da depressão, é o alcoolismo. Falta de sentido de vida. O alcoolismo também aumenta com a aposentadoria. Outra coisa: o índice de suicídio entre aposentados é muito elevado, muito preocupante. Vêm a solidão, o abandono, o estado de não compartilhar com os outros, "eu não sou ninguém agora". São fatores tanto psicológicos quanto sociais que vão incidindo e trazendo o indivíduo cada vez mais para baixo, até que ele se sente um zero à esquerda, "para que eu vou viver?".
No que é preciso pensar para se preparar para essa fase?
Às vezes, a pessoa não se identifica com nada. Pensa que foi burocrata a vida toda, que só atendeu o público. Mas vamos tentar descobrir do que ela gosta. Todo ser humano tem seu lado de arte, de busca de alegria, de compartilhar com as pessoas, de desenvolver algum tipo de talento, de querer fazer. Muitas vezes, ele foi cortado, a vida o impediu. Uma pessoa que gostava de música, de tocar violão, e o pai a impediu, por exemplo. Aí depois vieram o estudo, a profissão, a família, os filhos, e aquilo que estava lá no fundinho do coração dela, um hobby, ficou lá. Podemos fazer um teste vocacional.
O que a senhora diria para quem está perdido com a aposentadoria?
Diria o seguinte: apesar de tudo o que possa acontecer de negativo na sua vida, diga "sim" para a vida. Dizer "sim" para a vida quer dizer que ainda se tem algo para descobrir, realizar, integrar, ser feliz. Transforme, faça, escreva, aprenda alguma coisa. Ainda se pode descobrir um novo amor, uma nova amizade, a solidariedade. A solidariedade e o compartilhamento são inatos do ser humano. Ele não nasceu para ser isolado. Ele nasceu para compartilhar.