Abel Braga parece ter nascido para fazer história no Inter. Em suas sete passagens pelo clube, o treinador já experimentou as mais diferentes situações e emoções. A façanha do "Gre-Nal do Século" em 89 foi sucedida pela perda do Brasileirão para o Bahia e da Libertadores na semifinal. Anos depois, entre idas e vindas, ele voltou ao Beira-Rio para levar o clube aos seus dois maiores títulos, consagrando-se campeão da América e do Mundo. São 32 anos de uma relação profissional e sentimental que agora tem outro capítulo inédito e desafiador para todas as partes. Sua permanência como comandante até fevereiro de 2021 está fadada a ser um marco, cujo sucesso só se saberá em dois meses.
Tudo começa com o experiente treinador, num misto de amigo dos dirigentes, torcedor colorado e profissional, admitiu assumir o cargo deixado vago inesperadamente por Eduardo Coudet. Não imediatamente, mas num médio prazo, Abel já conseguiu estabilizar o time na disputa de uma das primeiras vagas do Brasileirão. Não foi possível evitar as eliminações na Copa do Brasil e na Libertadores, mas a perda de ambas nos pênaltis com vitórias fora de casa, recomendaram e muito que o treinador permanecesse até o final da disputa do certame nacional, mesmo que a nova diretoria já tivesse a convicção de quem um novo nome deva conduzir a equipe a partir de março.
O difícil foi evitar a imagem de "mandato-tampão" na permanência sob olhares de um futuro e jovem sucessor, no caso Miguel Ángel Ramírez. Abel Braga possui todo o direito de ter seu orgulho próprio de campeão mundial e dizer que seu compromisso, apesar de ser até fevereiro, poderia cessar com a saída do amigo Marcelo Medeiros da presidência. O anseio da nova diretoria em que houvesse a permanência sensibilizou o comandante. Não haveria solução melhor para o clube. Além disso haverá a situação inédita de transição por quase 60 dias entre duas comissões técnicas.
Há quem diga que o futebol não funciona como a política, onde governantes são eleitos e assumem os cargos meses depois, preparando-se devidamente para receberem dos antecessores os encargos. As perguntas que ficam são: "Por que? Quando já se tentou algo igual? O que há de tão especial no mundo do futebol que ele não pode repetir situações corriqueiras da sociedade?" Respostas para isto virão do Beira-Rio, bastando ingredientes indispensáveis como convicção, profissionalismo e transparência.
Se o Inter chegar à Libertadores 2021 através do Brasileirão, estará consagrada mais uma novidade nesta temporada cheia delas em função da pandemia. Abel Braga merecerá mais reverência ainda dos colorados e com um desafio novo vencido. Por certo ele ficará torcendo pelo sucessor como colorado e profissional que é. Se nada funcionar e o trabalho não render bons resultados, nada deporá contra quem tentou, em qualquer uma das pontas. Valerá o risco, até como exemplo para ratificar o que sempre se disse e que nunca foi testado, que o futebol é um mundo diferente. Até agora, a crença é que o melhor para o clube foi feito.