Se a frase tivesse sido dita por um simpatizante da esquerda, não causaria surpresa: “Prefiro mil vezes a Manuela”. Mas o autor é um morador de Porto Alegre identificado com o liberalismo e com a direita. Mais do que falar sobre uma improvável preferência pela ex-candidata a vice-presidente na chapa encabeçada pelo PT, a afirmação é um retrato da revolta de boa parte do segmento empresarial da Capital com a gestão de Nelson Marchezan e, de quebra, com o modelo de bandeiras estabelecido pelo governador Eduardo Leite, também do PSDB.
Há uma inconformidade pelo fechamento do comércio e pelo que alguns consideram autoritarismo e falta de diálogo. A prefeitura se defende, alegando que as restrições à circulação não foram inventadas aqui e que vai continuar ouvindo o que diz a ciência para tentar evitar o colapso do sistema de saúde. Há também inaugurações de obras pela frente e a confiança de que, se não houver caos nas UTIs, o reconhecimento virá ali adiante.
Basta uma olhada rápida em mensagens trocadas nos grupos de whatsapp de setores empresariais para compreender a dimensão desse fenômeno. A raiva e a inconformidade vêm crescendo. Quando a campanha eleitoral engatinha, já é nítido que ela será pautada, em grande parte, pelo irracional. No Brasil, a escolha dos representantes políticos sempre foi muito inspirada pela emoção, o que tende a se acentuar agora, com novos ingredientes gerados pela pandemia.
Quando se elegeu, Marchezan contou com o apoio de boa parte dos empresários da Capital. Embora ainda tenha importantes aliados entre eles, essa base foi sendo corroída e enfrenta agora seu maior desgaste. Como sempre acontece nesses casos, o tempo dirá se esses sentimentos são apenas reações a um momento difícil – não apenas na capital gaúcha, mas em todo o planeta. O fato é que o nível de tensão em Porto Alegre é bem superior ao de outras capitais. Não só entre os empresários, mas entre a população em geral, cansada de ficar em casa e amassada pela ameaça de desemprego. A quatro meses da eleição, já é possível afirmar que, se antes o voto era inspirado pelo coração ou pela razão, agora será também – e principalmente – por um outro órgão: o fígado.